sábado, 8 de junho de 2013

um momento

Num primeiro olhar, que parece minutos atrás, já sabíamos todos os caminhos. Como se o olhar fosse um mapa do desconhecido, sempre soubemos cada momento que viria. As ausências, toda a presença, sorrisos e lágrimas, alegrias e desencontros como bagagens. Um caminho para onde não se sabe jamais.
Num primeiro olhar, numa fração de segundo, uma promessa sem volta.
Nos corpos entrelaçados como pudessem simbolizar almas, loucas noites. Na cumplicidade da tristeza ou do desespero; dos sonhos ou da esperança, não importa, perder ou ganhar, tanto fez. Do muito ao quase nada, tanto fez. Em nós, mais que um pedaço tirado e sua cicatriz, a  impotência do nada poder mudar. Entender que tudo passa.
O momento não é melhor ou pior e permanece intocável; se impõe senhor. É como pode ser. Nos ventos gelados ou nas flores da primavera, nas brigas ou na paixão sem fim. Perene, atento a tudo, acompanha nossa vida, tão cúmplice quanto nós mesmos.
Pressentir uma despedida causa desespero, um vazio tão infame quanto a necessidade de ter que, em certa hora, partir.
Dura insistente o nosso instante, que começou num olhar inesperado e atravessa o tempo, ano após ano, dia após dia – como fosse um único segundo - até impossível saber quando. É, agora ao mesmo tempo, tanto e tão pouco. Que nos sufoque e traga alívio, que seu toque nos mate aos poucos e nos santifique - faça como quiser. Que torne nossos cabelos grisalhos e nos traga marcas sem conserto, tire-nos todas as forças e nos faça invencíveis. Nosso amor é um momento.
Tudo o que possuímos e vamos levar eternamente, nosso amor é o melhor momento que pode ter existido. 

texto: paulo moreira
imagem: google
música: i migliori anni della nostra vita - renato zero http://www.nuaideia.com/italiana/renato_zero/i_migliori_anni_della_nostra_vita_ni.mid

domingo, 19 de agosto de 2012

a pior lágrima

A  pior lágrima foi aquela que deixamos de chorar. E deixamos de chorar feito um poço que seca fora de época – inesperadamente – em plena estação das águas. Assusta secar assim; sem lamento ou saudade da fonte, agora árida.
Lágrimas foram tantas que, nos perdemos no próprio tempo e chegamos a não mais entender o porquê delas. Mesmo assim, vertem sem controle; teimosas, insolentes e insensíveis para com o nosso estar a sós com dignidade; como se agora fosse importante ser tão digno.
Águas brotadas de nós deságuam num novo mar enorme, em cujo fundo, ficam anseios, desejos, mágoas mal curadas, bocas cheias de limo em seus cantos. O amor depois do porto destruido.
No fundo de nossos mares, ficam nossas interrogações eternas; nosso eterno não entender, feito galera que naufragou. Nas bordas do continente de quem se foi, nem sempre floridas do outro lado – longe, bem longe – fica alguém que sequer acena. Não por algum motivo específico; não acena porque não percebe nem o mar, nem o naufrágio. Tampouco, que morreu para nós, na fúria tenebrosa e paradoxa da própria indiferença. Do descuido e do descaso.
Incomoda também nada  mais sentir, quando o oceano furioso e indomável deu lugar a um quase lago, um mar pequeno e fechado onde nem mais as lágrimas podem desaguar.
Um trecho de mar condenado, cujo tempo vai arrastar para as paragens do nunca.
Bate uma tristeza infinita e tão profunda. Por querer chorar e não mais saber, ou pior, não ter mais vontade de quem ficou imóvel naquele porto – lá do outro lado. A tristeza de dor, virou o susto de não mais querer. Nem chorar, nem um insípido sorrir.
A lágrima de agora não veio e é, sem dúvida, a pior lágrima. Indigente, é aquela que - sabemos - não mais brotará.
texto: paulo moreira
imagem: acasos afortunados (elenita rodrigues) - google imagens
música: powered by sissinosso site.com 

domingo, 12 de agosto de 2012

os plantadores do impossível



Desde criança, acompanham-nos os sonhos de todo tipo; daqueles que, enquanto sonhamos, significa o inatingível, o inalcançável.
Sonhos são projetos de vida, são os rascunhos de ser feliz.
Quase que invariavelmente, aquele homem que possui uma vasta coleção de  miniaturas de automóveis foi o menino que se apaixonou por um carrinho visto lá atrás, no passado. Outros meninos e meninas sonharam em voar e foram atrás do sonho. Vieram os voos da adolescência... e a certeza de quem sempre se soube pássaro.
Um dia, alguém ouviu um instrumento e as notas lhe tocaram tão fundo a alma que, resolveu entregar sua vida à musica, ao seu instrumento ou a vários deles. Ao receber o sorriso de uma mãe, vários bebês decidiram dançar a vida toda – talvez em busca daquele mesmo sorriso sincero que recebeu um dia.
Numa época, o teatrinho da escola fez uma atriz - que tomou para si a responsabilidade de expor as personalidades de incontáveis mulheres, vistas pelas lentes de sua  capacidade de sentir ou vestir o íntimo de alguém.
Alguns, por toda sorte de motivos, não conseguiram alcançar seus objetivos e, em sendo assim, transferiram a seus filhos os próprios sonhos. E conheceram o milagre de ser feliz pela felicidade  de quem se quer bem. Nem todos os filhos  tornaram-se médicos insuperáveis ou advogadas imbatíveis. Ficou a alegria sincera de ter gerado uma esperança, como quem gerou um ser.
Alguns são felizes por verem quem amam partir e, em nome de tanto bem querer, abrem mão de si próprios  com a absoluta convicção que - poder enxergar novos horizontes pelos olhos de outrem é a melhor visão do mundo.
Uma coisa é certa: praticamente todos os sonhos levam ao desejo de felicidade de nós mesmos. Mas existem alguns seres tão puros e tão especiais que não podem ser chamados apenas de sonhadores. São os plantadores do impossível.
Todos os que plantam, precisam da terra ou de algum meio para fazê-lo. Os plantadores do impossível não. Não raro, são vistos como loucos visionários ou idiotas que, em espaços invisíveis – o céu talvez – plantam suas sementes.
Fazem do espaço infinito, seus campos de cultivo e poucos, muito poucos, são capazes de visualizar esses campos.
São os campos do impossível porque ninguém antes seria capaz de acreditar na ideia que pudessem existir. Imensidões de plantas estranhas e invisíveis aos menos atentos – pelo menos enquanto são meras sementes. Templos da liberdade, nascentes de luz.
Pela obstinação, consciência e fé do cultivador eles se multiplicam quase que imperceptivelmente. São incalculáveis glebas tomadas por sementes de esperança, compreensão, amor, perdão e visão do que há de vir.
Campos de ensinamento - são as mãos de todos os seres humanos misturando suas raízes. São paragens de sonhos também e o que lhes diferencia é não estarem voltados para um só ser. Pertencem a todos, seguramente.
Agricultores que adubam com a paz sua terra única, regam suas plantas com lágrimas da emoção de ver alguém  mais feliz. Senhores de trilhas que nos aproximam de Deus.
Plantadores do futuro - ao ensinar quem os cerca -  aguardam serenos, o florescer daquilo que jamais poderá lhes pertencer como criação própria. Meros cultivadores do improvável, do amor sem marcos de propriedade. Amor entre todos os viventes. Doação.
Semeadores de pomares e jardins que só aparecem depois de maduros e produtivos, onde qualquer um pode colher e que ninguém sabe explicar de onde surgiram.
Talvez, de um sonho impossível.

texto: paulo moreira
imagem: rosani que mandou

quarta-feira, 25 de abril de 2012

a cuia do anhanguera

Era uma vez um bandeirante chamado Bartolomeu Bueno da Silva que, entre uma dose e outra de velho barreiro, percebeu que as índias não usavam roupas - o que era bom - mas usavam enfeites de ouro - o que era melhor ainda. Pensem numa índia com piercings de ouro em vários lugares do corpo. Pensaram longe, né?
Bartô percebeu que os índios também eram meio otários e, num desses lances meio xaropes de bêbado, mandou fogo numa cuia com pinga, dizendo pros índios que ia fazer o mesmo com o rio, caso não dissessem qual era o site das minas de ouro. Pelo visto, os índios - além de burros - não possuiam nariz (imagine o bafo de um rio de pinga). Talvez bêbados por algum destilado de mandioca, não notaram a pequena diferença entre água e 51.
Por conta disso, foi apelidado "Anhangüera" (com trema e tudo) - que significa "Diabo Velho" ou "Espírito Maligno". Anhanguera pode também ser definido por: corajoso, audaz, espertalhão, vigarista, político brasileiro, etc. (pesquisem na net).
Bartô ou Anhanguera, como queiram, ficou famoso pelas qualidades acima definidas. Resta o consolo que por mais ouro que tenha granjeado, teve suas propriedades confiscadas e morreu sem glórias (Bem feito!). Foi desprezado pelos portugueses e pelas índias com os melhores piercings. Embrenhado pelas matas, ninguém conseguia contatar o fidumaégua, sequer pra enviar uma intimação judicial. Apesar de que, a tecnologia avançada da época já havia descoberto o uso de cuias furadas e ligadas por um cipó pra servir de telefone. Era o início da INTERCUIAS (depois CIA TELEFÔNICA BRASILEIRA) e o fim do Anhanguera.
Mas, como nessa terra até Michel Teló tem fã, o Anhanguera deixou admiradores e, ninguém entende porquê, vive sendo homenageado em forma de nomes de rodovias, instituições e botecos (Tome uma Belco gelada no Bar do Anhanguera!)
Antes de morrer, Bartô ou Anhanguera, não mais conseguia colocar uma gota de pinga em sua própria cuia.
Por isso, dizem, o espírito de Anhanguera vaga perdido, clamando por sua cuia perdida pela própria incompetência.
Sem saber o que fazer, Anhanguera acaba sempre, colocando na cuia da gente.
E A GENTE TOMA NA CUIA!

texto: paulo moreira
obs - este texto é uma singela homenagem à uma gloriosa universidade, cujo site nós não conseguimos acessar nunca.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

cinismo insustentável


Fala-se muito em sustentabilidade. Penso ser justo o que se reinvindica e torço para que "SUSTENTABILIDADE" deixe de ser elemento de um marketing hipócrita, atroz, inútil e sem responsabilidade - como vem sendo, desde há muito.

Quando os governos derem-se conta de que o verbo dirigir é ir e mostrar a direção certa; quando empresas e técnicas de publicidade melhorarem seu nível de transparência e sairem da honestidade relativa; quando mais pessoas desenvolverem sua percepção de realidade, tempo e espaço - talvez o planeta tenha alguma chance. Que tal tentar "Dignidade"?

Algumas ações humanas são de uma inteligência incrível, mas muita vez em que a consciência coletiva é exigida no sentido do bem - vira merda. Será que Deus falhou na configuração do projeto e algumas almas - o espírito é o "no break" do corpo - deram pau na instalação? Tem horas que o cérebro do homem falha o platinado - corta a ignição e adeus torcida. Volta tudo abaixo de zero. Nem no tranco.

A Idade Média é uma grande vergonha para a humanidade. Foi o chamado tempo da escuridão em todos os sentidos. Nos TEMPOS MODERNOS é vista como um absurdo humano. Sim, absurdo.

Tão absurdo quanto o surgimento da contemporânea e gloriosa IDADE MÍDIA, que trocou a escuridão pela cegueira burra.

texto: paulo moreira
imagem: google
música: bachmn turner overdrive - hold back the water / powered by: http://www.sissinossosite.com.br/

domingo, 1 de janeiro de 2012

o velho, o novo e o que o tempo não ousa tocar

Desculpem - este texto está sendo revisado para ser publicado novamente.

texto: paulo moreira
imagem: dmitriy nikolaevich maslennikov - photoforum/rússia
música - pink floyd - fearless (interpolating you'll never walk alone) -powered by www.sissinossosite.com

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

do impossível de explicar


Música sem letra. O que sai da garganta feito uivo, lamento, grito. O que não mais importa - sentimento que abortou - luz que se recusa. Nossos sótãos e seus morcegos, suas teias, sua poeira.
As ausências que escorreram entre os dedos. O sem nexo, sem sentido, sem rumo. Palavra sem tradução, sem dicionário. Amontoados de adeuses. Indiferença por impercepção, por revelia. Perder-se de si por Walk Over. Não ficar, nem partir. Descolorir - desflorescer. Chorar granizo.
Falta. 

texto: paulo moreira
imagem: mariya maracheva
música: pink floyd - the great gig in the sky / powered by: http://www.sissinossosite.com.br/

domingo, 13 de novembro de 2011

pavores e certezas

Quando amanhece vem o medo de que os olhos, de desejaram-se tanto, ceguem ao perceber o dia. E não consigam mais ver a cidade de sonhos que foi criada na imaginação de dois habitantes, cheia de praças de crianças sorridentes; de igrejas que tocam sinos suaves todas as noites, das ruas tortuosas de nossos corpos, nossas pontes.
Receio de não mais voar entre as velhas árvores que plantamos num piscar de olhos, de nossos labirintos e vielas cheios de bares com música suave. Não mais ver nossas sombras coloridas, só possíveis para os de pura paixão.
Arrepios assustados por não ver lençóis e travesseiros desarrumados – que parecem a pintura do paraíso – monumentos de querer bem. Pavor de arrumá-los, pois se o fizermos, arrasaremos nossos quarteirões construídos com a delicadeza dos cúmplices. Temer que ao raiar do dia, nossas nascentes sequem e nenhum líquido nunca mais brote de nossas fontes de prazer, cheias de luzes coloridas.
Lamentar o som do chuveiro de quem se prepara para sair, como se os sons dos gemidos e sussurros da madrugada não lhe bastassem. Preferir a cegueira ao ver a porta se abrir e outro se esvair de nós, feito gás que se desprende de uma bebida; deixando-nos feito restinho de refrigerante abandonado.
Ciúme por ter que emprestar nosso alguém à cidade, agora de verdade. Visualizar pernas, braços, sorrisos e vestidos que vão movimentar-se, como criança - ingênua e linda - entre calçadas, avenidas ou o escritório. Jurar que nossos carinhos são lugares mais seguros.
Sair também para o dia sem graça que se arrasta e com a certeza de ter lido em algum lugar que o mundo terminaria hoje. Medo e angústia do nunca mais.
Retornar à noite e sentado no sofá, na solidão da sala, meio a tantas lembranças - vê-la entrar com um sorriso e uma sacola enormes; olhos brilhantes de diamantes e abrindo braços como quem pede para brincar de desarrumar lençóis e morrer de amor. Nos corações, toda a certeza do mundo.
Na sacola - uma Coca-Cola. Bem gelada.

texto: paulo moreira
imagem: google/coca-cola
música: angela aki - onegasani aishiteru - powered by: www.encrencamidis.com