quarta-feira, 17 de setembro de 2008

não se preocupe querida

Rodava pela cozinha feito louca. Karina, a filha de três anos, pedindo insistentemente o bolo há muito prometido. Gritava com a menina, que parecia ter uma energia incessante para irritá-la. Há muito tempo esperava alguns minutos de paz, que a filha não parecia disposta a conceder-lhe tão cedo. Meses? Anos?
Afinal, quantas coisas lhe haviam sido prometidas na vida sem que cumprissem? Por que tinha obrigação de fazer aquele bolo para a filha? Por qual razão sempre levava nas costas os pecados do mundo?
Mas, iria fazê-lo sim. Ao menos, Karina lhe daria sossego um pouco.
Olhou desencantada para a cozinha toda cheia de louças por lavar do dia anterior, virada de pernas pro ar. Sua vida com o marido, pensou, era como aquela louça suja.
- Meu Deus, quantas coisas por limpar na vida! Cada dia mais e mais. Como lavar, secar e colocar em ordem a existência? Por enquanto, melhor tentar começar pela louça.
Depressa, Karina a lembra por onde começar.
- Droga, o bolo!
Mistura os ingredientes - farinha, ovos, decepções, pouco açúcar, gotas de tristeza com aroma de baunilha, leite e lágrimas. Por fim, o fermento em pó. Vira-se para a pia, a fim de lavar a grande colher com que mexia tudo e percebe a menina esticando-se toda da cadeira por sobre a mesa para enfiar um dedo na massa.
Num gesto quase que natural aos já distantes de qualquer raciocínio, bate com a colher na mão da filhinha. Com força. Sabe-se lá por qual razão ou desencontro do destino, força suficiente para a mão da menina chorosa inchar muito e, nos dias seguintes, tornar-se mais escura. A pomada não resolvia.
Num certo momento, a porta do médico se abre e, sem que possa atinar com nada, ouve o inacreditável:
- Não há saída, deu gangrena. É preciso amputar.
Quase um ano depois, encontra-se sentada numa cadeira da cozinha fazendo, calada como passara a ser, mais um dos intermináveis bolos que, quase que diariamente, desde o acontecido, fazia para a filha. Karina aproxima-se e vê o semblante triste da mãe, que levanta os olhos cheios de lágrimas, põe a vasilha sobre a mesa e lhe dá um abraço que só um desespero sem fim é capaz de dar.
Com a mão esquerda, a garotinha levanta o avental da mãe, enxuga-lhe a face, e diz carinhosa:
- Não se preocupe querida, não vou mexer mais no bolo.
Levanta o bracinho com um sorriso de pureza:
- Veja mamãe, eu não tenho mais mãozinha para mexer no bolo.

A história verídica de Karina me foi contada, um dia, por minha mãe, que tentava através de histórias e exemplos, preparar-me para a vida e tornar-me um ser um pouco melhor. Como tantas outras histórias, sempre a carreguei comigo e, cada vez que penso em Karina e sua mãe, as emoções deságuam.
Muitas coisas nos despertam os sentimentos, seguindo-nos por toda a existência mas, uma coisa, outro dia me perturbou muito.
Diante de alguém, senti uma vontade imensa de fazer um afago, um carinho. No entanto, sem saber no momento o porquê, me detive; lembrei-me de tantas coisas vividas por nós juntos e fui rumo à outra direção. Procurava ver meu coração, mas algo nele não mais havia. Meus lábios, tremendo, apenas souberam murmurar:
- Não se preocupe querida, não vou mais mexer...

texto: paulo moreira

domingo, 14 de setembro de 2008

o tamanho do amor

O amor cabe num aquário, num cubo
mas será sempre maior que os oceanos
Sem tempo preciso, só precisa um segundo
Ampulheta eterna, agenda de mil planos
***
Cabe num aro anel, em alianças de sonho
Em corações traçados, num sorriso inesperado
Num tolo bordado em toalhas de banho
Num frasco da memória, perfume guardado
***
Encaixa-se numa pequena pétala de flor
Se faz pleno numa única palavra sugerida
Por não saber seu tamanho, o amor
Vai além do tempo e da própria vida
***
Controverso sentido, pequenino e imenso
Amedronta e, ainda assim, nos faz seguros
Senhor do mundo, afronta e cabe num verso
Cativo de si e detento, roga lindos agouros
***
Não há quem possa, portanto, lhe definir o tamanho
Ninguém lhe sabe o alcance, tampouco a sua verdade
Em todas as meninas dos olhos - está esse estranho
Brincando de ser universo - e sabendo-se eternidade
...
paulo moreira

terça-feira, 9 de setembro de 2008

escrevendo emoções

Mãos de luz abençoam minhas madrugadas
E transformam angústias e dores em palavras
As tristezas se tornam esperança
A este homem, fazem criança
Os sentimentos viram brinquedos
Do mundo, descubro os segredos
...
Escorrem emoções como bolas de gude
A realidade perde o sentido de dor
Deslumbrado nem sei como pude
Transformar tanta coisa em amor
...
E essas mãos fazem - de tudo - uma nova construção
No papel, meio às gotas de sensações misturadas
Entre mágicas de vida e emoções soterradas
Nas lágrimas, antes contidas, reencontro o meu coração
...
paulo moreira

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

todo o carinho do mundo

Carinho é um inexplicável sentir que toma conta da gente e faz com que nossas almas se abracem.