quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

De Homo Sapiens a Daktylus Erectus

Ser contra a modernidade não é apenas falta de bom senso. É não saber viver neste mundo. Mas, certas coisas do passado têm um valor imenso e de algumas dessas coisas, sentimos falta. Não se trata de saudosismo, idade avançada, nada disso. Trata-se de ver um mundo em transição e, por vezes, perder a referência de valores.
Adão e Eva são bons exemplos disso. Pode hoje, haver variações de estilo, de funções, de genética, mas convenhamos:
- A configuração original é muito boa.
Nada em detrimento de novas versões; sejam todos bem vindos. É como o Windows. Tem uma porção deles, mas tem gente que não troca um XP por um Vista nem sob tortura.
Se Caim tivesse um controle remoto em mãos ou o teclado de um PC, talvez não brincasse de matar irmãozinho. A tecnologia avançou para a melhoria da nossa qualidade de vida.
Pensava nisso durante uma aula de matemática. Enquanto o professor explicava rapidamente sobre conjuntos, equações, etc. Gastava o triplo do tempo ensinando como usar as calculadoras. Percebi uma coisa muito séria:
Algumas cabeças entendem um pouco de matemática, mas o dedo indicador é um fracasso quando se trata de calculadoras. Até entendem o cálculo, mas têm dificuldades entender a linguagem desse ser dotado de teclas. Outras, não entendem nem o cálculo, tampouco a calculadora. Existem dedos completamente desajustados.
Originalmente, usava-se o dedo para várias funções. Escrever poemas na areia, arrancar chantilly de bolos, limpar o nariz e dedurar a irmã. E entre outros afazeres próprios de um dedo indicador, usávamos para chamar a professora de matemática, pedindo explicações sobre a falta de raciocínio sobre um cálculo qualquer. Tadinha. Ela explicava.
Nesse tempo, que não vai tão longe assim, era proibido o uso de calculadoras em salas de aula, em provas, em concursos públicos e em namoros. Ensinava-se matemática sem anestesia mesmo e isso nos obrigava aprender a usar o cérebro. Não sei se aprendemos, mas por romantismo talvez, alguns ainda preferem tentar resolver equações à unha, com o perdão do trocadilho. Para os dedos, aprendíamos datilografia. Talvez no futuro, aprendamos “dactilosofia” (a ciência dos dedos).
Hoje, existem momentos em que ficamos sem saber quem nasceu primeiro: o ovo ou a teclinha.
Se nossa cabeça der pane, até esperamos alguns meses para procurar um psiquiatra ou uma psicóloga. Mas, se nosso PC ou a calculadora apresentarem defeito, o conserto tem que ser no mesmo dia. Será que nossa inteligência passou procuração para as máquinas? Nossa mente era analógica e está sendo digitalizada?
Tudo que não se usa, atrofia. Músculos, vísceras, o cérebro.
Sob o pretexto de deixar o cérebro para coisas mais importantes, acabamos deixando o ato de pensar (que, a propósito, não pesa) para nosso, antes humilde, dáctilo. E ele vem respondendo à altura, incorporando linguagens de HPs e IBMs da vida. Não importa saber o que ou o quanto é um número. Dedinhos amestrados passaram a ser sinônimo de inteligência. Ai de nós! Deixamos a cabeça no automático e ela vai como pode; enquanto pode. Pensa de teimosa. Assim como todo o resto, inclusive o coração.
Por sua vez os nossos dedos, de tanto uso, fortaleceram-se. Tornaram-se rígidos, eretos e imponentes. Orgulhosos e arrogantes, andam racionais demais. Tão ocupados que foram perdendo suas capacidades mais primárias. Por exemplo:
-Fazer contas com auxílio do link natural, xingar no trânsito, roubar chantilly ou simplesmente fazer um carinho.
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texto: paulo moreira

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

"perfume de coração" recebe o selo "olha que blog maneiro"

"Perfume de Coração" recebe, e agradece a distinção, o selo que vem da Itália, através do blog "Utopie Calabresi" - http://utopiecalabresi.blogspot.com/

Os 10 blogs abaixo foram indicados por "Perfume de Coração" para receberem este selo:

Fragmentos da Alma – http://reverereviver.blogspot.com/
InFocO – http://vivi-infoco.blogspot.com/
Minha obra-prima: Minha vida – http://kamilasarto.blogspot.com/
Na Dança das Palavras – http://leonorcordeiro.blogspot.com/
Pérolas que Colhi, Flores e Poesias – http://pati-prolasqescolhi.blogspot.com/
Poesia com Emoções – http://poesiacomemocoes.blogspot.com/
Porto das Crônicas – http://taisluso.blogspot.com/
Solucionática – http://solucionatica1.blogspot.com/
Sou Essência sem Fronteiras – http://souessenciasemfronteiras.blogspot.com/
Um Vento na Ilha – http://schsonia.blogspot.com/

As regras a seguir para os blogs que recebem este Prêmio são:

1- Exiba a imagem do selo "Olha que Blog Maneiro"
2- Poste o link do blog que te indicou.
3- Indique 10 blogs de sua preferência.
4- Avise seus indicados.
5- Publique as regras.
6- Confira se os blogs indicados repassaram o selo e as regras.
7- Envie uma fotografia sua ou de um amigo para olhaquemaneiro@gmail.com juntamente com os 10 links dos blogs indicados para verificação. Caso os blogs tenham repassado o selo e as regras corretamente, dentro de alguns dias você receberá 1 caricatura em P&B.
8- Só é válido caso as regras tenham sido todas cumpridas.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

baliza

Baliza morria de amor. Pelo Geraldo.
Pouco importava se ele era beberrão, jogador inveterado, homem de mil vícios e mil mulheres. O importante é que Geraldo gostava dela e, vez por outra, lhe fazia um carinho.
Dono da Fazenda da Serra, Geraldo negociava gado e vivia do trabalho sem horário, sem patrão e sem limites. Na cidade, era Juiz de Paz. Fazia casamentos, resolvia discórdias de todo tipo e, eventualmente, ia atrás de algum sujeito bom de conversa, para criar concórdias - com sua lábia ou revólver - sobre a livre e espontânea vontade de casar com a moça semi-virgem de família honrada.
Todo dia, Baliza o acompanhava a quase todos os lugares e junto dele sentia-se feliz por andarem descompromissados de tudo naquela pequena cidade, pouco ligando quando o cavalo, já escolado, parava em cada bar que pudesse existir. Escala para mais uma caninha, um cumprimento, uma dama de vinte minutos ou um tiro em mais um.
Paciente, ficava andando pela praça da igreja matriz, passeando faceira e olhando tristinha as pessoas da praça, com a resignação dos que passam os dias esperando por migalhas de amor; por um sorriso ou pela alegria de ver seu nome pronunciado rapidamente por ele. Humilde e tolerante, aguardava ansiosa a saída do Geraldo de cada lugar. Satisfeita com o simples fato de ficar próxima de quem tanto amava.
Baliza era assim. Baliza amava assim.
Nas noites de insônia na varanda, ficava olhando o semblante daquele homem, como que hipnotizada pela fascinação, procurando talvez, descobrir-lhe as inquietudes.
Quando Geraldo vestia o paletó de tecido grosso e punha seu chapéu Panamá, alegrava-se por saber ser o momento de saírem, exceto quando ele dizia ir jogar. Não ia junto nessas ocasiões, que não eram poucas. Ele chegava a ficar três dias e três noites seguidas jogando baralho e apostando dinheiro. Bom jogador, não costumava perder.
Nessas vezes, precisava ficar na casa da fazenda porque, no caso de aparecer algum comprador ou vendedor, era ela quem iria na fazenda do Chico Nego ou outra qualquer onde ficava a jogatina, para avisar e trazer de volta o seu querido. Bastava a Benedita dizer:
- Baliza, vá buscar o Geraldo que tem gente querendo falar com ele!
Pura alegria. Lá ia pela estrada, morrendo de felicidade por poder ajudar mais uma vez, o homem de sua dedicação de vida. A sua razão de viver.
Invariavelmente o encontrava já cheirando à destilado forte e perfume de alguma mulher de ocasião, porém, nunca bêbado. Geraldo parecia impermeável com bebidas. O máximo que acontecia era ficar mal humorado com a interrupção do jogo por Baliza e resmungar-lhe uns palavrões. Mas, só se estivesse perdendo muito no jogo. Se não, vinham alegres e brincando pelo caminho, pensando no bom negócio que esperava em casa.
Um dia, numa cerca de arame farpado, Geraldo machucou-se e contraiu tétano. Foram 40 dias naquela cama. Ironicamente, aquele homem forte de 33 anos, com caráter e temperamento únicos, ia sendo derrubado pelo que menos se podia esperar: a doença.
Durante todos esses dias, Baliza ficou ao seu lado. Abatida e muda, passava dias e noites com os olhos caídos como quem faz a oração do desespero. Pouco comia e mal conseguia tomar um pouco de água. Deitada ao lado de quem tanto amava, sofria calada, sem protesto ou queixa.
No meio da sala, uma pessoa levantava o véu preto sobre o caixão. Era a única coisa que fazia com que levantasse os olhos, sentada alerta sobre aquele banco; protegendo, a seu modo, aquele que não mais de proteção precisava. Seguiu todo o cortejo ao lado do caixão.
Quando tudo terminou, todos voltaram às suas casas. Menos Baliza.
Deitada sobre o túmulo, ali ficou por horas, dias. E, por mais que tentassem, não conseguiam retirá-la de lá, convencê-la a comer algo ou sequer tomar água. Nesse tempo, cada momento vivido deve ter passado por sua cabeça e, acredito, nem ela se sabia capaz ou o porquê de tanto amar.
Um certo dia o sol se pôs e alguém a encontrou já no fim de sua agonia. A fiel cadelinha morria sobre o túmulo de seu dono.
Baliza morria de amor. Pelo Geraldo.

texto: paulo moreira

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

tomates-cereja

Na mesma semana em que a conheci, ganhei alguns tomates. Uma versão pequenina dos comuns. Lindos tomatinhos.
Encantado com sua beleza – a mulher – num instante plantei-a em mim. Precisava tê-los sempre comigo - ambos. Ah! Aquela nova cor de vida, a pele, a delicadeza, aquele novo gosto adocicado.
E espalhei suas sementes em meus territórios. As de tomates, no jardim em frente ao quarto; as dela, num jardim sem cuidados dentro em mim. Terras difíceis, jardins de sonho sem adubo.
Tomates-cereja e amor são plantas resistentes - que insistem em brotar sempre. Num dia de primavera olhei da janela e descobri algumas pequenas folhinhas explodindo da terra. Lembrei-me dela – estávamos sempre unidos - e vi que também soltava folhinhas tenras, nas minhas terras quase áridas. Como é lindo poder desfrutar do milagre das sementes. É possuir quase toda a beleza do mundo.
Começavam dois ciclos de semeaduras que nunca imaginei serem tão parecidos. Sorri para a vida. Meus jardins prometiam fartura. No final da primavera, abandonei meus pés de tomate-cereja, o quarto, o jardim, tudo. E fui ao encontro da planta que mais cresceu: o amor daquela mulher que possuía a magia das sementes.
Não sabíamos quem era quem; quem plantava ou cuidava. Éramos sementes e semeadores simultaneamente. Se, por um lado, o agricultor é responsável pela planta, por outro, a planta passa a ser a luz dos seus atos. Se o primeiro rega folhas e raízes ou deixa que as chuvas dêem provimento, a outra lhe lapida a essência e traz o evoluir dos ramos de sua humanidade. A natureza faz, com humildade e perfeição, o que alguns de nós não conseguimos, às vezes, por imposição do egoísmo.
E dessa mulher conheci o néctar, me encontrei em seu corpo, desfrutei seu sabor. O mesmo ela o fez comigo. Retirou minha pele grossa para apaziguar meu sumo. Plantou-me dentro de si e nos fizemos uma só árvore.
Árvores, quando tiradas de sua cova de origem, reagem ao novo lugar. Assim, momentaneamente, voltei para meu antigo solo seguro e encontrei meus pequenos pés de tomate-cereja em flor. Retirei os matos em volta, os empecilhos e lhes dei arrimo. Vieram os frutos. E da minha plantinha provei o néctar, desfrutei sua polpa e saboreei seu suco. Meus pequenos frutos tiraram-me a acidez da alma na sua lição dos ciclos. Cultivaram em mim, tanto quanto ela, o amor. Juntos, os três, apesar da distância. A grande árvore e a pequena planta totalmente diferentes em sua aparência, mostravam-se iguais em suas estações não compromissadas, entre si, com o tempo.
Ambos seguiam ensinando-me caminhos. Havia me descoberto como uma planta buscando o sol. No final do outono seguinte, o tomateiro secou. Em certo tempo, ela também desaparecera. Depois, resssurgíamos fortes e renovados, como sempre, para novas estações de novas experiências e novos frutos. E assim foi continuadamente.
Voltado para meus problemas e indiferente ao que me cercava, deixei que os matos crescessem e, por falta de meus cuidados, os tomateiros que tanto quis estavam pelo chão sem sustentação e quase sem vida. Condenados por mim. Um senhor que cuida de jardins, apiedou-se das plantinhas que teimavam, ainda assim, em florir e deu-lhes estacas para apoio, arrancando as ervas daninhas em volta. Veio a chuva e os tomates-cereja voltaram a brotar ainda mais lindos.

Mas eu sabia que era diferente. Seus frutos não mais me pertenciam, a não ser por circunstância. Nunca estiveram tão lindos ou responderam tão bem ao cuidado recebido. Em nenhum momento haviam deixado de ser meus pés de tomates-cereja. Durante o tempo todo, eu é que deixei de ser seu cultivador.
No entanto, suas fortaleza e determinação não se deixaram abater pela minha ausência de atitude. Alguns podem estar marcados, mas estão vivos e confiantes em sua missão de tomates e apenas por generosidade para comigo permanecem num território sob meu domínio. Talvez, um gesto de gratidão pelas sementes na terra colocadas um dia, embora abandonadas ao sabor das intempéries.
Quanto aos frutos, não quero e não posso mais provar-lhes e assim será. Não lhes fiz juz.
Quanto a mim, não sei nem plantar, nem amar.
Os pássaros espalharam suas sementes que agora brotam em novos pontos. Tentarei ajudá-los a obter seu alimento, cuidando com um pouco mais de amor e zelo - das minhas plantinhas. Isso os fará mais felizes: os tomatinhos e os pássaros. A mim também.
É possível reparar o sofrimento causado aos tomates-cereja.

texto - paulo moreira