Daluca tinha duas paixões nesse mundo: O marido Neca e a gata Dargisa. Passava os dias a arrumar a casinha para a chegada do Neca, que vinha no final do dia lá da roça. Depois de arrumar a casa e fazer a comida, ficava fazendo um tricot ou um crochet, remendando as roupas de casa ou bordando umas toalhinhas. Sempre com a Dargisa do lado.
A gata era a amiga fiel de todos os dias, que deitava-sejunto dela no alpendre e lhe ouvia as confidências de todo tipo. Não havia um só sentimento de Daluca que não conhecesse. Até os momentos mais íntimos e fogosos com o marido, a gatinha sabia. Tintim por tintim.
O marido era um homem da roça. Semeava arroz, feijão,milho, café e plantava a horta para a mulher cuidar e policiar contraas galinhas. Tirava leite das vacas, tratava dos porcos e capinava
suas plantações. Adorava ficar na beira do córrego pescando; ou melhor, sendo feito de bobo pelos lambaris “veiacos e ladrões de minhoca”. Segundo namoro que teve na vida, viu nos olhos e na beleza de Daluca – as estrelas – e resolveu cultivar, também, o céu. Na simplicidade dos dois, fez-se o amor maior do mundo.
Diz a Daluca, certa vez, para uma comadre:
– E num é que o desgraçado do Neca me aparece morto em casa, sem nem avisar?
Atingido por um raio, lá no meio da plantação, ele se fora.
Comoção, gritaria, inconformismo, o fim do mundo. E lá no meio da sala, o caixão com o que sobrou do Neca, para a visitação dos poucos amigos.
Daluca chorando como nunca, desesperada, se deixa ruir no sofá velho e, com a bunda, mata dois gatinhos – da cria de cinco – da Dargisa. Inconformada, pega a gata nas mãos esticadas e desabafa:
– Desculpa, filha. Tô viúva do Neca e, não feliz com isso, ainda te deixo viúva dos seus filhinhos. Ô sina, ô vida de amargura! Somos duas desgramadas!
E dirige-se ao seu amado, no caixão:
– Ô, Neca. Não vai embora, pelo amor de Deus. Fica comigo. Levanta daí e vai pra roça, preguiçoso! Pára de me enganar e diz que quem morreu foram só os gatinhos. Isso não pode ser verdade.
A gata era a amiga fiel de todos os dias, que deitava-sejunto dela no alpendre e lhe ouvia as confidências de todo tipo. Não havia um só sentimento de Daluca que não conhecesse. Até os momentos mais íntimos e fogosos com o marido, a gatinha sabia. Tintim por tintim.
O marido era um homem da roça. Semeava arroz, feijão,milho, café e plantava a horta para a mulher cuidar e policiar contraas galinhas. Tirava leite das vacas, tratava dos porcos e capinava
suas plantações. Adorava ficar na beira do córrego pescando; ou melhor, sendo feito de bobo pelos lambaris “veiacos e ladrões de minhoca”. Segundo namoro que teve na vida, viu nos olhos e na beleza de Daluca – as estrelas – e resolveu cultivar, também, o céu. Na simplicidade dos dois, fez-se o amor maior do mundo.
Diz a Daluca, certa vez, para uma comadre:
– E num é que o desgraçado do Neca me aparece morto em casa, sem nem avisar?
Atingido por um raio, lá no meio da plantação, ele se fora.
Comoção, gritaria, inconformismo, o fim do mundo. E lá no meio da sala, o caixão com o que sobrou do Neca, para a visitação dos poucos amigos.
Daluca chorando como nunca, desesperada, se deixa ruir no sofá velho e, com a bunda, mata dois gatinhos – da cria de cinco – da Dargisa. Inconformada, pega a gata nas mãos esticadas e desabafa:
– Desculpa, filha. Tô viúva do Neca e, não feliz com isso, ainda te deixo viúva dos seus filhinhos. Ô sina, ô vida de amargura! Somos duas desgramadas!
E dirige-se ao seu amado, no caixão:
– Ô, Neca. Não vai embora, pelo amor de Deus. Fica comigo. Levanta daí e vai pra roça, preguiçoso! Pára de me enganar e diz que quem morreu foram só os gatinhos. Isso não pode ser verdade.
E o marido lá, calado. Diante daquele silêncio todo, Daluca fica ainda mais nervosa e berra histérica:
– Me leva com você! Me leva, Neca! Quero ir com você!
Enterraram o Neca.
Sozinho.
E assim se passaram alguns dias. A Daluca quieta como nunca. O pouco que falava era alguma lamentação ou pedido de desculpas à gata, por ter sentado na caixinha com as crias.
– Ah, Dargisa! Pelo menos você tem os outros filhos. E eu?
Homem eu só tinha um.
Numa certa noite, no quarto escuro, lembrava-se dos momentos felizes com o amado, naquela mesma cama. Quanto amor, quantas loucuras... Nos últimos dias, as imagens dos dois, juntos, não lhe saiam da cabeça, e tinha uma estranha sensação de felicidade ao lembrar momentos tão doces. Quando estava quase pegando no sono, naquele momento em que não se está nem lúcida, nem adormecida, sente um carinho leve nos braços. Um suave roçar neles. Dos braços, passa para a barriga, até que, indecentemente, lhe acaricia o quadril. Por alguns segundos fica enlevada, deixando-se levar por aquele suave acariciar, enquanto balbucia:
– Ah, Neca, meu amor. Estou doente de saudades, meu corpo pede você...
Até lembrar-se do último pedido que fez ao falecido.
– Escuta aqui, pára já com isso. Sei que pedi; mas já mudei de idéia. Cria juízo! É cedo demais para eu ir. Sai daqui, Neca! Vade retro, que amanhã eu chamo um padre pra esse seu espírito bobagento!
Nessa agitação e esperneio percebe que, tão assustada quanto ela, a Dargisa sai debaixo das suas pernas, meio enroscada nas cobertas e corre para cima do fogão, nervosa e inquieta.
Sem rumo e sem graça, vai até a cozinha e toma uma água com açúcar. Olha para a gata e grita indignada:
– DARGISA, GATA BESTA, VÁ SE ESFREGAR NOUTRO FOGÃO DE LENHA!
– Me leva com você! Me leva, Neca! Quero ir com você!
Enterraram o Neca.
Sozinho.
E assim se passaram alguns dias. A Daluca quieta como nunca. O pouco que falava era alguma lamentação ou pedido de desculpas à gata, por ter sentado na caixinha com as crias.
– Ah, Dargisa! Pelo menos você tem os outros filhos. E eu?
Homem eu só tinha um.
Numa certa noite, no quarto escuro, lembrava-se dos momentos felizes com o amado, naquela mesma cama. Quanto amor, quantas loucuras... Nos últimos dias, as imagens dos dois, juntos, não lhe saiam da cabeça, e tinha uma estranha sensação de felicidade ao lembrar momentos tão doces. Quando estava quase pegando no sono, naquele momento em que não se está nem lúcida, nem adormecida, sente um carinho leve nos braços. Um suave roçar neles. Dos braços, passa para a barriga, até que, indecentemente, lhe acaricia o quadril. Por alguns segundos fica enlevada, deixando-se levar por aquele suave acariciar, enquanto balbucia:
– Ah, Neca, meu amor. Estou doente de saudades, meu corpo pede você...
Até lembrar-se do último pedido que fez ao falecido.
– Escuta aqui, pára já com isso. Sei que pedi; mas já mudei de idéia. Cria juízo! É cedo demais para eu ir. Sai daqui, Neca! Vade retro, que amanhã eu chamo um padre pra esse seu espírito bobagento!
Nessa agitação e esperneio percebe que, tão assustada quanto ela, a Dargisa sai debaixo das suas pernas, meio enroscada nas cobertas e corre para cima do fogão, nervosa e inquieta.
Sem rumo e sem graça, vai até a cozinha e toma uma água com açúcar. Olha para a gata e grita indignada:
– DARGISA, GATA BESTA, VÁ SE ESFREGAR NOUTRO FOGÃO DE LENHA!
texto: paulo moreira
imagem: josé eustáquio g. manso - olhares.com - portugal
2 comentários:
Vim conhecer o seu blog através da amiga Rosani, que me passou um texto seu, tão lindo, que o postei em meu blog. Gostei do seu espaço. Estarei sempre por aqui. Parabéns. Grande abraço.
Este espaço é sempre maravilhoso. Estar aqui é sempre um enorme prazer. Beijos e um ótimo final de semana.
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