O sujeito estava dando uma palestra sobre motivação e o pouco que ouvi, foi “en passant”. Tinha os gestos amplos de quem abraça o mundo e encontra a própria mãozinha do outro lado do planeta a cumprimentá-lo com euforia. Camisa de manga curta com gravata, no melhor estilo jovem-americano-bem-sucedido-coca-com-fritas. Assim: futuro sub-gerente de hamburgueria famosa. Exagero de sabedoria, ao dizer ao seu público atento:
- Cada um diga agora, bem alto, que se ama e que hoje é o dia mais feliz de sua vida!
E a galera:
- EU SE AMO!!!! EU SE AMO!!! HOJE É O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA!!!!!!!
Repita, desta vez, mirando a si mesmo bem no meio do alvo e em bom português, brothers:
- Eu me amo e hoje é o dia mais feliz da minha vida!!!!!!!!!
- EU ME AMOOOO!!!!! EU ME AMOOOOOOOOOOO!!!!!!!!! HOJE É O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA!!!!!!!!!!! EBAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Ele de novo:
- Repitam, trepitam, polipitam sempre estas palavras. De novo, moçada... (Agora foi exagero meu. Mas, que ele pensou nos verbos desse jeitinho, lá isso pensou).
PARTE I
Vendo a euforia da platéia, parei para refletir sobre essa história do “EU me amo”. Esse é um modismo que vem aumentando dia a dia e, creio, surgiu na mídia - com algum psicólogo, psiquiatra ou alguém especialista em baixo-estima querendo levantar o ego de pessoas numa situação difícil ou de depressão.
Não é difícil imaginar, talvez, um publicitário convencendo as pessoas que não irão comprar um espelho qualquer e sim, raro quadro em cristal com a imagem viva da pessoa mais importante desse mundo. Uma obra-prima entitulada “Sipóprio®”.
O problema é a idéia, que acredito, até bem intencionada na forma original, foi potencializada e, tal qual um remédio tarja preta tomado com caninha, acabou tendo conseqüências desastrosas. Uma pinga chamada competição; o querer se convencer do eu sou melhor, ou melhor, sou melhor que o melhor – o mais melhor ainda.
Passamos a viver o tempo do culto a si mesmo. A era do Eumesmismo.
PARTE II
Parece que as pessoas esqueceram-se que o amar a si mesmo é uma coisa inerente ao ser humano. O senso de auto-preservação vem do instinto, do mero fato de estar e permanecer vivo. É original de fábrica. Somente em casos extremos, ocasionados por doenças da mente e do espírito, torna-se necessário “acordar” isso. Ocorre que as populações modernas, cada vez mais sentem a necessidade de estereótipos para tornarem-se parte fundamental de suas vidas. Celular virou necessidade básica e computadores, semi-deuses. Tem gente esquecendo que tudo o que existe é em função do ser humano, para seu melhor bem-estar, para seu conforto e progresso, mas que não passam de instrumentos, objetos, COISAS.
Não é possível que nos tornemos o centro do universo e que aqueles que nos cercam sejam apenas COISAS. Não é possível conviver com gente que só pensa na beleza, na riqueza, no progresso e na evolução de si próprio, apenas e tão somente. Isso é involuir e, fico me perguntando quantos estão se dando conta disso.
É bem simples fechar-se em casa e esconder-se atrás de um teclado, falando das “grandes virtudes” que possui, via net. Computador não tem cheiro, não tem sabor de saliva de alguém mágico; por mais rápido que processe informações, não tem a beleza da fração de segundo com que olhares descobrem a beleza de outro ser humano, posto que “alma” não se envia por uma CAM.
A regra é não perguntar numa palestra ou sala de aula uma dúvida, correndo o risco de pagar o mico de ser o burro da turma. Silêncios com aparências de grandeza que escondem, na verdade, uma ausência imensa do que dizer, por mais simples que seja. O orgulho de admitir que necessitam aprender, faz essas pessoas tentarem transmitir a imagem de que tudo sabem, pois os seres superiores não precisam aprender.
Sabedorias de quem precisa, corre e recorre ao Google para saber o que significa simplesmente – amar. E, quando lê na Wikipédia, infere que amar, enquanto verbo, é uma coisa de junção de letras, eventualmente de órgãos sexuais utilizados para fabricação de novas Coisas, a seu pretexto. Que forma frases e diz do inexistente em seu próprio mundo. No entanto, convenientemente, vale a pena repetir seus conceitos - é politicamente correto e uma excelente chave social. Enquanto substantivo, usa-se o amor com moderação e parece remédio homeopático: ninguém acredita que uma química tão simples, não permita a doença chegar. Adota-se a alopatia para loucos de todo gênero e, de preferência, com genéricos.
Moderno mesmo é clonar. Seres, sentimentos, vidas. Quem clona não se envolve. Moderno também, é tantas pessoas sofrerem de solidão. Sabe por que? Porque quem compõe um mundo que se alimenta apenas de si mesmo, compõe uma música triste e solitária. Sinfonia para um surdo só. É muito pouco. Nossa natureza não é assim.
EPÍLOGO
Cobramos amor de mãe, amor de filhos, amor de amigos, amor de paixão, amor de todo tipo e reclamamos da ingratidão de quem estamos perto. Mas, será que damos o que estamos cobrando dos outros? Compreensão, justiça, bom senso. Será que negociamos na mesma moeda? Ou estamos enviando nosso amor pelo e-mail, somente?
Nesse passo, acredito que vale lembrar que uma doce Criatura disse:
- Amar ao próximo como a si mesmo.
Estamos distorcendo-Lhe o sentido e intenção; interpretando que o mais próximo de nós somos nós mesmos e, assim sendo, danem-se os outros.
Precisamos perceber as coisas com clareza e – ao olhar a foto do umbigo – não ter a sensação que se viu outro órgão. Ou de que daria na mesma, caso fosse. Um compositor dizia, numa música que concluia sobre esses novos tempos:
- ...haverá um Homem no céu e Deuses na Terra...
Tenho esperança que não, mas às vezes, temo que tenha razão.
. texto:paulo moreira
imagem: blog tri de 3
4 comentários:
Olá saudades Paulinho, é isso ai ficamos tão preocupados em amar ao próximo que agimos pensando que o próximo de nós o mais próximo... Somos nos mesmos... Que horror rsrsrsrsr
Beijos
Digo que horror pela situação...
O texto é genial, explicito exatamente o que acontece.
Mais beijos
Que esta passagem traga realmente renascimento, amor, esperança e harmonia!
Feliz Páscoa!
"Algumas coisas são explicas pela ciência, outras pela fé. A páscoa ou pessach é mais do que uma data, é mais do que ciência, é mais que fé, páscoa é amor." (Albert Einstein)
Feliz Páscoa!
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