domingo, 22 de junho de 2008

aqueles bailes


Naquele tempo a gente parecia que tinha um ritual de fim de semana. Era, no sábado, o baile do Monza e no domingo o baile do Juventus. E todos, garotos e garotas, iam com suas turminhas.
Havia uma rivalidade acirrada entre o pessoal do nosso bairro, a turma do 7, que era quem morava perto do Clube 7 de Setembro da Água Rasa e o pessoal do Vila Invernada, o bairro um pouco mais acima. Desta forma, acontecia que, no sábado, os garotos do Vila davam em cima das meninas do 7 e vice-versa. Nada mais lógico, porque a fruta mais distante sempre é a mais saborosa, claro. E frutas saborosas costumam causar desentendimentos. No domingo, o baile do Juventus era mais democrático, pois ficava na Moóca, então considerado por nós como território neutro.
O Clube Monza, nada mais era que um pavimento no andar superior de uma fábrica e muito pequenino para ser chamado “clube”, mas era sempre repleto de gente e as ruas dos arredores ficavam lotadas de automóveis no sábado à noite. Apesar de pequeno, todos gostavam muito, por ser bem divulgado e possuir alguns acessórios que todos adoravam - luz negra, globo de espelhos e luzes bem fraquinhas.
As seleções de músicas eram muito badaladas e tocava-se muito Bee Gees, Bread, Creedence, Beatles e coisas do gênero, nas músicas lentas. Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabath e Grand Funk eram as sensações das rápidas dançantes. Rolava também, como não poderia deixar de ser, um Yes, para aqueles que já tinham dado um tapa num baseado e viajavam na santa paz do peace and love – estes, pra lá de Bagdad.
Todo mundo tem suas noites de terror e numa dessas noites lá estava eu, completamente desprovido de amigos da turma do 7, numa maravilhosa seleção lenta, grudadinho com uma moreninha que a gente adorava dançar. Ela não empinava a bunda pra se esquivar e permitia o livre passeio das mãos, que tocavam seu corpo com a competência de um Rick Wakeman nos teclados.
No meio da seleção, sinto um toque em meu ombro e viro-me para saber do que se tratava. Era um já conhecido rival de bailes, que me alertava:
- Essa garota é minha maninha...
Sabendo onde ele queria chegar, perguntei à garota:
- Você é irmã dessa coisa?
E ela:
- Eu não, Deus me livre!
Então, o garoto deu o bote:
- Irmãzinha de consideração, cara!
Não iria deixar de dançar com aquela mignonzinha, pelo simples fato de um idiota, cheio de amigos no baile, querer encher de ciscos a minha vida. E respondi sorrindo e esperto:
- Sua mamãe também é minha consideradinha. Aliás, estou com saudade dela.
E continuei minha dança todo feliz, mas já sabendo o que me esperava.
Nem dancei mais com a mesma menina. Exatamente por saber o que viria, a todo momento, ia na janela e olhava lá embaixo. Via cada vez mais garotos de cara feia olhando para cima. Não demorei muito para planejar uma estratégia. Ficaria ali até o fim do baile, pois lá dentro estaria protegido e, com certeza, eles esqueceriam rapidamente do dentuço petulante que difamava mães alheias.
Tinham uma memória de elefante.
Perceberam que eu não sairia dali tão cedo, até porque pedi uma cerveja proibida para os meus 16 anos. Nunca uma cerveja durou tanto tempo. E a montanha veio a Maomé.
Fizeram uma fila dupla à minha frente e o comandante da tropa, atravessou entre seus perfilados e, com o dedo em meu rosto, ordenou:
- Fale agora o que disse da minha mãe!
Pensei rapidamente e percebi que qualquer estratégia rimaria com tragédia. Mostrando-me calmo, segurei firme na minha padroeira de momento – a santa garrafa – e disse ao garoto, com a firmeza e o olhar de tigre mal humorado:
- Se eu disser que falei de sua mãe, vou apanhar. Se disser que não falei, vou apanhar. E, se disser que nada falei, vou apanhar também. Só um detalhe: De você não apanho.
E acertei a garrafa de cerveja bem no meio da cabeça dele.
Nunca apanhei tanto em minha vida. Depois de levar muitos socos, catiripapos e pés-de-ouvidos cai no chão e me encolhi enquanto levava chutes. Até valeu a pena, porque num instantinho, já estava desmaiado.
Acordei no pronto socorro do Tatuapé, com uns pontos no braço e todo amarrotado. Até o espírito doía. O alivio da dor foi ver o meu rival com a cabeça toda enfaixada e a notícia que levara uns 12 pontos. Sem contar a satisfação de saber que garota alguma iria querer dançar com aquele careca bobalhão tão cedo.
Como éramos menores, o investigador de plantão no pronto socorro, sabedor que menor de idade só dá camisa suada, conformou-se apenas com uma bela bronca. E nos dispensou.
O domingo amanheceu. Na saída, os dois com caras de patetas olhavam um para o outro. Agora, já sem qualquer ódio, ele então me diz:
- Puxa, que bobagem nós fizemos. E tudo por causa de uma menina bem fuleira; de uma dança.
Pensei bem. Ele tinha razão, não havia o que discutir. Então, respondi displicente:
- É mesmo. E olha que a Rosilene nem merece toda essa encrenca. Mais parece pia de água benta; todo mundo põe a mão. Sakatrapa! (sakatrapa era uma versão nossa de menina fácil).
Indo para a casa, camisas todas sujas de sangue, ele lembra:
- Hoje tem domingueira no Juventus. Você está a fim de ir?
- Vamos nessa. No Juventus tem cada gatinha...
.

texto: paulo moreira
imagem: zurab kaisidi

12 comentários:

Lucia disse...

Paulo:

Gostei muito do texto. Divertido, inteligente. Você está ampliando cada vez mais sua forma de escrever. Parabéns
Beijos

Kamila Sarto disse...

Recebi o seu e-mail com a notícia da publicação do livro com o título do seu blog, espero ansiosamente e espero também poder ir lá na bienal... ah! eu imprimi sua poesia, minhas amigas que pegaram o meu caderno emprestado ficaram me pedindo para copiar no caderno delas, sua poesia é um sucesso.. meu professor de português passou um trabalho com o tema; Antologia, vc sabe que antologia é tipo uma coleção de obras, e eu estava pensando se eu poderia colocar a sua poesia no meu trabalho, só que aí eu precisaria de uma pequeno resumo sobre você... no trabalho está pedindo um resumo do autor.... nesse trabalho eu fiz uma bela coletânea de poesias de amor, nele estão as poesias; " soneto 17" de shakespeare, "O amor é fogo que arde sem se ver.." Luiz v. de Camões, "O amor quando se revela" Fernando pessoa, "Não deixe o amor passar" do Carlos D. de andrade, e finalmente a sua "O dia que não amanheceu", procurei colocar as que eu mais gostava... espero a sua resposta ansiosamente. bj.

Uma aprendiz disse...

Olá!
Como sempre, adorei.
Parabéns!
Lendo esse texto não pude evitar de agradecer por meu filho, de 16 anos, ser "paradão" como dizem por ai.
Ele não curte bailinhos. Aliás ainda existem bailinhos? kkkkk
As coisas mudaram muitooooo.
Puxa, Paulo, você me fez lembrar de quanto nossa geração foi ingenuamente feliz.
Obrigada por esses momentos.

um beijo

paulo disse...

Lucia:

Você que é escritora sabe, assim como todos que escrevem, da nossa procura em crescer e evoluir nesse maravilhoso ofício de escrever.
Mais uma vez, obrigado por tanto carinho.

Beijos

Paulo

paulo disse...

Kamila:

Simplesmente vc me deixou sem ação, sem palavras. Garota, vc fala em Shakespeare, Camões, Drummond e Fernando Pessoa, como se eles tomassem cafezinho aqui em casa. Estou entre surpreso, emocionado, nem sei o que dizer. Exceto que conseguiu fazer com que as lágrimas viessem.
Minha "antologia" resume-se nesse primeiro livro e ; sou um autor estreante e meu histórico ainda é bem pequeno, mas pretendo melhorar esse curriculum. Estarei enviando a você, os meus dados na forma original como será publicado no livro, o qual ainda está sendo impresso.
Obrigado por tanta generosidade para comigo.

Carinho

paulo disse...

Etel:

Tem razão. Acho que essa ingenuidade que possuíamos é uma característica de nossa geração. Trazemos conosco, lembranças de um tempo incrível.Obrigado por ter vindo.

Abraços

Josemar Pires Ribeiro disse...

Oi Paulo..
um belo texto, nos faz recordar os bailinhos de fim de semana, a turma da algazarra.. e aquela mamorada!!!!
aguardo ansioso o livro..
abraços

paulo disse...

Josemar:

Obrigado pela sua constante presença aqui e pela força. Valeu!

Abraços

Sonia Regly disse...

Paulo,
Gostaria de publicar aquele texto: Quando o coração aprende a falar, posso??? Coloco a fonte e uma indicação para o seu Blog, ok???Espero seu retorno.Abraços.

paulo disse...

Sônia:

Conforme já lhe disse anteriormente, vc pode publicar o texto. Obrigado por fazê-lo

Abraços

Ivete disse...

Oi Paulo,
Como vir aqui e não se emocionar?
Voltar aos nossos velhos tempos...recordar....
Como disse a Etelvina....ingenuidade feliz...
Parabéns pelo texto e obrigada por proporcionar esses momentos de saudade.
bjssssssss

Anônimo disse...

Oi Paulo,como foi gostoso voltar aos tempos de dois pra lá,dois pra cá,voei também na minha história.Puxa,como éramos felizes e nem notavámos.Obrigado, abraços. raipires.