Veio quase que se arrastando do quintal e parou ao me ver deitado no sofá. Estava arrasada. Seu rosto denotava a indignação dos agredidos, a tristeza dos injustiçados e a mágoa dos abandonados. Ficou um momento ali parada. Os olhinhos não aguentaram e as lágrimas brotaram grossas.
Não foi preciso perguntar, pois apenas com o meu olhar ela foi se aproximando e, diante de mim, contou toda aquela lamentável catástrofe; a tragédia da qual fora vítima:
- Vô, o bicho me mordeu.
Um vermelhão enorme na coxa mostrava que não mentia, embora não fosse algo que justificasse tanta dramaticidade. Mas, afinal, um colo na hora certa é sempre um colo.
- Me abraça, Bruna. E me conta quem foi o malvado, cruel, idiota e delinquente inseto canalha que fez isso.
Meio desconfiada com as palavras exageradas e do meu sorriso zombeteiro - murmurou baixinho:
- Foi um pingolongo...
Desatei numa risada só, enquanto ela me olhava com os olhos meio estufadinhos e molhados. Não demorou para que me sentisse um idiota, diante da seriedade dela.
- Desculpe, querida. Não estou rindo da sua dor, não. Estou rindo do seu jeito de falar. Qual foi o bicho que te mordeu, mesmo?
Silêncio. Um silêncio que denunciava minha insensibilidade.
- Vem aqui, deixa o vô beijar sua perna. Beijo de avô não falha, você vai ver.
Pelo vermelho da coxa, resolvi fazer uma interação medicamentosa do beijo com uma pomadinha. E aproveitar a oportunidade para ensinar a palavra certa.
- Não é pingolongo, anjo. Preste atenção e repita bem devagarinho - PER-NI-LON-GO. Entendeu? PER-NI-LON-GO. Eu sei que você consegue.
Gostosa sensação de professor. Ah, se aquele coraçãozinho pudesse ouvir-me a alma. Ela, por sua vez, tentando:
- Pin per... golongo. Pino-lon-go.
- Fala direito, Bru. Depois vou pedir para sua mãe perguntar.
Optou, por fim, pelo novo silêncio. Ganhou outro beijo no rosto e saiu para brincar novamente.
Depois de um tempo voltou feliz e sentou-se em meu colo. Passei a mão na manchinha quase sumida. Era a chance imperdível do esperto homem caderno, o avô lição inesquecível, o livro da vida com pernas:
- Bruna, qual é mesmo o nome do bicho que te mordeu?
Ela abriu um largo sorriso e respondeu vitoriosa:
- Sabe, acho que foi uma aranha, vô...
texto: paulo moreira
3 comentários:
Estava a navegar por esses "mares" e "marés" cibernéticos... E deparei-me com a Bruna, com o "pingolongo", com um sábio avô, sensíveis e belas palavras e por fim, uma aranha! =)
Você colocou poesia em uma singela cena! Coisa de gente nobre e sensível!
Saudações de admiração!
Beijos!
Oi Paulo,
Você é demais com seus textos, sempre...
A cada vinda aqui, me encanto....me emociono...
Me vi nessa cena, rsssss, uma avó rindo e se deliciando com a esperteza do netinho.
Bjsss meu lindo
Já li alguns trabalhos seus através de josemar. Nesse, sensibilizei-me qdo.o autor disse muito bem: "um colo na hora certa é sempre um colo". E como é bom não é mesmo?
Gostei muito da estratégia que a personagem Bru,(carinhosamente),usou para desapontar o avô escritor.
Parabens Paulo seu texto é muito agradável de ler.
Abraços,
Dilma
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