segunda-feira, 30 de novembro de 2009

uma vez, um verão

Nem pergunte o verão, pois não saberia responder. Só sei que faz tempo, muito tempo. Deveria ter uns 14 anos e, com o Rogério, resolvemos ir juntos numa excursão para Bertioga. Não conhecíamos ninguém, exceto Dona Iracema da igreja do padre Zé, que fizera o convite e, diante do preço bom e das perspectivas, resolvemos nos divertir. Para adolescentes tudo é aventura. E algumas aventuras costumam ser inesquecíveis.
As pessoas foram chegando pouco antes das 5 horas, o horário combinado. Deveriam ser uns vinte e havia gente de todo tipo e idade. Quando o ônibus chegou, um casalzinho subiu depressinha e ocuparam duas poltronas estratégicas lá do fundão, onde desapareceram imediatamente entre elas. Umas quatro senhoras de uns 70 anos acomodaram-se nos bancos da frente e, eu e Rogério esperamos sentarem-se as irmãs – Silvana, a loira e Silmara, a ruiva – filhas lindas de um juiz de direito, que todos os dias as levava ao colégio num opala preto e imponente do Tribunal de Justiça. Sentamos nos bancos atrás dos delas, na esperança de uma chance, nem que isso custasse uma condenação de 10 anos por assédio. Aos 14 ou 15 anos, nunca se sabe, mas valiam o risco.
Nisso, entram quatro grandões já oferecendo a todos um golinho da batida de vinho com abacaxi (eram 4 garrafões, dava pra todos). Mais uns casais de pais de algumas crianças com as próprias; umas cinco, acompanhadas de uma bola de plástico enorme. Naquela época essas bolas enormes eram um sucesso na praia. Não esqueceram as petecas, nem as raquetes de frescobol, claro.
Uma trintona encalhada, já famosa no bairro, com uma bíblia para distrair-se durante a viagem, sentou-se atrás de nós, ao lado de um crioulo com uns dois metros de altura e sem os dentes da frente, porém, com um sorriso muito fácil. A distância entre um canino e outro, enormes, parecia uma ponte apenas com as extremidades; o vão livre lembrava um “canyon”.
A princípio mostrou-se assustada, mas com o tempo, e umas goladinhas da batida, ela parecia até estar disposta a trocar umas idéias com ele.Por fim, um grupinho de moços e moças munidos de amor, violão, pandeiro e reco-reco de bambu. Alegria garantida ou sua viagem de volta!
- Ebaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
O ônibus fechava suas portas e começava ali nossa ida à praia. Com direito a tudo.Não passou muito tempo, começava aquela música que nos acompanharia a viagem toda:
- Num posso ficar nem mais um minuto com você... sinto muito amoooor, mas num pode seeer... moro em Jaçanã... se eu perder esse trem que sai agora, às onze horas... só amanhã de manhã.
Enquanto isso, a bola enorme ia e voltava dentro do bus; o garrafão seguia um trajeto parecido; os namorados do fundão soltavam uns suspiros e uis; as senhoras falavam da vida alheia; a trintona se engraçava com o negão e o Rogério tentava algum assunto com as filhas do juiz. Em plena descida da serra mais da metade das cabeças já giravam mais que a bola.
- ...e além disso, mulher, tem outras coisa....minha mãe num dorme enquanto eu num chegar...
Uma senhora comentava, entre amendoins, que tinha medo de atravessar na “barsa” e, ouvia a outra respondendo:
- Falar nisso, comprei uma dessas encicropédia pras criança. Diz que num tem melhor que a balsa.
Até a chegada na praia.
-Ebaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Quatro crianças, então, entaladas na porta junto com a bolona. Quase dez minutos para conseguir descer alguém, entre sacolas com frangos e copinhos de batida de vinho com abacaxi, agora já bem mais quentinha. E o casalzinho ainda lá atrás, esperando talvez alguma coisa se acertar...
De repente, o ritual da chegada: se esticar todo e abrir os braços para o mar e o céu:
- ETA MARZÃO BESTA!
Como diria o Ziraldo.
Novo entalamento. A maioria lembrou que, na praia, bom mesmo é tirar a roupa de cima e deixar surgirem as sungas, calções, biquínis e maiôs Catalina de rendinha. Praia é pra ser aproveitada o mais rápido possível. Tiradas as roupas, todos foram curtir sua areia, inclusive o casalzinho com um ar meio cansado.
Entre os moços e moças, mãozinhas já se juntavam para espantar o medo das ondas. Após algum tempo, as velhinhas olhavam espantadas os pares bem grudadinhos (os homens apertavam bem suas parceiras para espantar o medo) e não demorou muito para uma mais desbocada perguntar:
- Essa coisa que veio do mar e grudou no meu maiô deve ser alga. Ou não? Que porra é essa?
E a outra rindo:
- Acertou na mosca, querida! Pois é!
Silvana comentava com Silmara:
- Precisava ter vindo com biquíni branco? Está tudo transparente. Você num tem vergonha?
- Vergonha eu tenho. O que num tenho é outro biquíni. Mas, ainda assim é mais bonito que biquíni de oncinha.
- Melhor de oncinha, que de tarântula!
E os garrafões de batida se bronzeando junto às toalhas, entre comentários de que, com a maresia, bebida alcoólica nem se atreve a subir. Os casais se “protegendo” juntinhos das ondas. O motorista do ônibus de pé na calçada - de calça azul marinho, camisa branca, gravata da cor da calça e cara de quem toma conta de tudo. Dona Iracema fazendo anotações e contas; de maiô e papel molhado. Meu amigo e eu cuidando dos bichinhos do zoológico, sem tirar os olhos. As crianças com a bola e as velhinhas arfando com o emocionante jogo de peteca. Os homens no frescobol e batida e o casalzinho, pra variar, lá no fundão do mar - bem longe. Ele parecendo que tinha se preparado para camping. Sua barraca ficou armada o tempo todo.
Hora do almoço. Chegam todos para o desejado almoço. A trintona com o crioulo, abraçadinhos agora. Em certo momento abriram o isopor e surgem dois frangos assados; foi quando ela percebeu que aquela falta de dentes na boca de seu parceiro tinha uma grande utilidade:
Numa fração de segundos ele enfiava uma coxa de frango inteira na boca e só puxava o ossinho do meio – as presas faziam o resto. O osso saia limpinho e era só mastigar o que os caninos detiveram. Ela olhava como quem admirava a eficiência e pensava nos frangos que poderiam dividir juntos até que a morte os separasse, na tristeza e na alegria
E tome batidinha de vinho com abacaxi, que agora lembrava vinho quente de quermesse. Talvez por isso, as velhinhas mandaram ver. Certo momento um rapaz oferece:
- Dou cem mil cruzeiros para quem achar meu relógio! Fui ver se era à prova d’água mesmo e acho que o perdi mais ou menos na direção daquele navio, numa onda alta... Quem sabe mergulhar?
Ao que alguém respondeu:
- Vou tentar. Me dá 150 anos para encontrar?
Tarde passando, alegria cada vez maior e a hora voltar. Todos cabisbaixos, chateados por um domingo tão cheio de emoções, ter sido tão rápido, tão fugaz. Dona Iracema tentando entender como ninguém, durante todo o dia, havia sequer procurado um banheiro. Não teve notícia de um único xixi.
Dois garrafões de água serviram para tirar o sal de todo mundo. Os maiôs, biquínis, etc, já deveriam ter secado – portanto - o melhor negócio era vestir a roupa por cima mesmo. Agora, Rogério sentava-se junto com a oncinha, enquanto eu cuidava da tarântula, alegres pelo bom entrosamento.
O casal continuava suspirando entre barulhos de bocas molhadas, escondidos lá no fundão como sempre.
- ...moro em Jaçanããããããã...
Mais batida - naquela temperatura que curaria pneumonia numa única dose. Cada um que se levantava, aquela marca de roupa molhada por baixo, mostrando uma sexy combinação de calças Lee e sungas molhadas, ou vestidinhos com biquínis. Até que, na subida da serra, começaram as dores de barriga e ânsias de vômito com umas seis ou sete paradas, excluindo as fervidas de radiador. Eu e meu amigo ríamos muito. Rimos mais ainda quando soubemos mais tarde que a ânsia de vômito da namoradinha (aquela do fundão) durou uns 3 meses. Casaram-se logo e a menina recebeu o nome de “Estrela dos Mares” - Stella Maris. Nunca soubemos se por ironia ou por inspiração.
-...e além disso, mulher, tem outras coisas...
As senhoras vieram agradecendo a Deus e perdoando as falhas de todos. As filhas do juiz nos fizeram justiça e nunca mais quiseram saber de mim ou do Rogério. Vibrei quando assisti o casamento da Trintona, agora ex-encalhada, numa coincidência de cerimônia (para eles) e missa das sete (para mim). Tocava a marcha nupcial, mas eu só conseguia ouvir:
- Sô filho único... tenho minha casa pra olhar... eu num posso ficar...
Aquele verão, posso garantir, jamais houve outro igual.
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texto: paulo moreira
imagem: internet

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

apenas triste

imagem: olhares.com - portugal

domingo, 8 de novembro de 2009

oceano

Caminhava pela praia, a mente ia e vinha como que acompanhando o ritmo das ondas. Aqueles quadris eram assim: por vezes, mar agitado e ansioso, terminando sempre por uma explosão incontrolável – água encontrando as pedras – corpos explodindo amor; d’outras, calmo e compassado, imitando um berço imaginário, balouçando-se até encontrar repouso no sono.
Lembrava daquele alguém com o desespero dos sem razão e gritou ao mar aquele nome, pedindo ao vento levasse os sonhos e sons até o limite do horizonte, mil vezes. Até enrouquecer e quase enlouquecer.
Imaginava aquele amor à semelhança do oceano. Pela imensidão incalculável de tanto mar profundo; por tanto e profundo amar. E pediu a todos os deuses possíveis e impossíveis aquele amor de volta, rogando a si, o mesmo milagre do refluxo das águas inquietas.
Viu-se naqueles braços novamente e mais uma vez a sensação de estar inundado daquele alguém, como sempre, a quase afogar-se em seus próprios uivos misturados como salivas e secreções.
Olhou o céu e as estrelas e comparou-as à mesma aura que iluminava o quarto em cada mágica do amor. Do prazer cintilante e do suave brilho dos olhos cor de lua cheia, na tranqüilidade do sereno carinho após unhas cravadas, firmes ataques e armadilhas, luta e suor – que culminavam no quase desmaio feliz dos que venceram juntos a mesma doce batalha. Dos momentos em que faziam-se cúmplices contra as mesmas tempestades. Estava agora em total nulidade. Naufragara. Havia perdido sua embarcação, bússola e alimento. Junto a eles, sonhos, esperanças, razão de viver. Fora-se o tempo.
Imaginou as conchas e teve a lembrança dos dois dormindo em forma de. Lembrou-se das mãos que tomaram forma de concha em seu jeito de afagar e esboçou um sorriso. Quais seios, no mar, moldariam as conchas? Conchas no ouvido, revelam os suspiros e segredos do mar.
Uma lágrima escorreu até sua boca e sentiu aquele gosto salgado de pele. Não. Aquele corpo não era salgado. Era um agridoce único ao qual seu paladar se acostumara. Mar e amor não se explica o paladar, pensou. Lembrou das bocas milhares em que procurou, alucinado, aquele gosto e mortificou-se por ter, em tantos corpos, imaginado-se sempre estar amando aquele mesmo. Entre tantos gritos, ter ouvido a mesma voz. Entre estar vivo e ter morrido tantas vezes.
Reviveu os momentos em que, anos atrás, pensou todas as mesmas coisas e pediu a Deus; aos senhores e senhoras dos oceanos - com desespero, com angústia – a volta daquele ser amado. De espírito despido e inocente, suplicou como o mais desvalido dos mortais. Foi atendido.
Sabia que o mar devolvera-lhe o que julgava perdido. E viveu anos de ilusão, pensando estar feliz ao lado daquela mesma pessoa. Para um dia mais tarde, descobrir-se não amado e quem estava ao seu lado poderia ser uma pedra, um galho, uma gaivota morta na areia. Seria indiferente. Seu espírito virou lamento mudo.
Tinha consciência que tudo que as águas engolem, devolvem. Mas os seres vivos, devolve-os apenas corpos, carcaças. Tivera de volta, o corpo frio e rígido de seu amor, assim como cada gesto e atitude. Percebia, na rotina do dia-a-dia, que a essência havia se perdido. Os carinhos, os sorrisos, a cumplicidade, os filhos jamais vieram ou foram os mesmos. O oceano houvera entregado muito pouco do que levara. Nada e nunca voltaram a ter a mesma alma, percebeu.
Insano, continuou caminhando mar adentro. Agora iria, finalmente ao encontro daquele ser amado. Encontraria na escuridão das águas profundas a essência daquela alma e a ela se juntaria para sempre, como sempre lamentou ter sonhado.
E caminhou, caminhou. Rumo ao horizonte das águas e seu reino. Para não mais precisar caminhar.
imagem: olhares.com - portugal

domingo, 18 de outubro de 2009

presença

Presença é o acordar pela manhã e buscar o abraço de uma lembrança no travesseiro. Um nome que insiste em ocupar nossos lençóis arrumados e já sem a noite dos que, loucamente, os desarrumaram tanto. Lençóis de manchas outras que, agora, não passam de pequenos círculos transparentes de lágrimas de uma estranha e até doce emoção.
Presença é o sentir a brisa da manhã trazendo o calafrio inexplicável daquele medo bom do primeiro encontro. Olhar a xícara e ver entre sombras intraduzíveis da superfície do leite, o rosto de alguém te insinuando as mesmas promessas bobas. A paz daquele sorriso, com cappuccino e açúcar. É nosso querer bem criando cenas de rara beleza. O fantasma que se senta, sem nenhuma cerimônia, à nossa mesa.
É a angústia de sentir que no vazio da ausência, ficou a marca. Isso é presença. Marca. A impossibilidade de parar com as mãos, essa sombra que o pensamento não consegue apagar.
Presença é um vírus contraído que nunca mais nos desacompanhará. São as nuvens brincando de criar a mesma silhueta no céu. Querer ver o filme outra vez e mais outra. Absurda luz na escuridão do quarto.
Ser obrigado a lembrar de tudo, pelo simples fato de ouvir um barulho na porta. A certeza de que, nesse mesmo instante alguém pensa em nós e lembra as mesmas coisas, ao mesmo tempo, com o coração também apertado pela saudade. E, caso tivesse coragem, contaría-nos esta mesma história.
A dor do saber que nunca mais - é presença.
Presença é querer dormir para ter a possibilidade de encontrar num sonho. Teimosia em inverter a realidade deserta. Ver o sofá da sala totalmente ocupado por ninguém.
Presença é ser capaz de nos preenchermos inteiros de quem já não está. É afrontar a dureza real de uma falta infinita que essa pessoa nos faz. É ler em pétalas de flores, os recados que só nós soubemos.
Alguém a quem tanto amamos é assim. Passe o tempo que passar, aconteça o que acontecer, estará longe ou perto, não importa.
Importa é que teremos, querendo ou não, sua incansável, suave e eterna presença.
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texto: paulo moreira
imagem: photoforum - rússia

domingo, 6 de setembro de 2009

a superstição do celular

Entre uma escola e outra, no meio do caminho, vinha a professora com um repentino e “esquisistranho” pensamento que, feito um pernilongo, começou a incomodar.
Não era supersticiosa, mas passar debaixo daquela escada do pintor no pátio no exato momento em que ele concluía uma letra Z no novo letreiro da escola, não a deixou bem.
- Ah! Bobagem, superstição!
Continuou em seu raciocínio. Semana que vem chegaria 11 de setembro e onze é um número esquisito. Onze é número primo. Não. Pensando bem, onze é um número gêmeo. Número primo é um que só se divide por 1 e por ele mesmo e o onze é assim, mas ele é parente mais próximo que um simples primo. Só pode ser gêmeo e, ainda por cima, daqueles univitelinos. Deve dar azar também, porque foi no dia 11 de setembro aquele caso das torres gêmeas. Número infeliz. Tipo do numerozinho egoísta que só se divide a “sipóprio” e, quando se divide, ao invés de restos - deixa escombros. Não se lembrava direito se aquele número era racional, natural, inteiro (inteiro não podia ser) e acabou, apesar da vaga lembrança das aulas de matemática, com uma conclusão brilhante:
- 11 é um número gêmeo, que não se divide por nada, exceto por boeings; faz parte do conjunto dos números irracionais, impossíveis e inacreditáveis, muito bem representado por “iii” (iii! Deu errado de novo!).
Precisava parar de pensar aquelas bobagens. Estava parecendo pesadelo de véspera de prova na faculdade. Tentou lembrar se suas provas caiam sempre no dia 11 e, quanto mais procurava lembrar, mais o dia 11 se fazia presente. Chegou a se convencer que se casara num dia 11 e questionou-se se não era novembro – 11/11 – Deus livre e guarde!
- Ah! Bobagem, superstição!
Afastou seus pensamentos como quem afasta pernilongos e, depois do primeiro tapa na orelha, já nem se recordava de mais nada. Continuou seu caminho, chegando à escola para mais uma jornada. Feliz com seus aluninhos, ouviu o sinal do intervalo e dirigiu-se para a sala dos professores para seu merecido cafezinho e descanso. Hora também de ligar para o marido para a atualização de broncas do dia anterior “Parte II” (a Parte I era sempre no horário do almoço). Sorriu, divertida, com a idéia de que, se o cachorro é o melhor amigo do homem, o da mulher é o celular. Ao abrir a bolsa, qual não foi a surpresa: alguém abrira sua bolsa e levara seu fiel amiguinho - Totó Nokia.
Frio na espinha, arrepio, tremedeira. Sem se dar conta ainda por completo da situação, lembrou-se de uma coisa que sempre dava certo nessas horas:
- São Longuinho, São Longuinho, se encontrar meu celular dou 3 pulinhos! Dou 30; 3 é muito pouco. Desculpa São Longuinho, sei que o celular vale mais... tá bom... 300 pulinhos!
Mas, dia útil e horário de trabalho, São Longuinho podia estar muito ocupado e, por via das dúvidas, o melhor era sair perguntando se alguém o vira. De imediato notou que o melhor amigo do homem pode ser mais rústico, mas basta chamar pelo nome, que aparece. Percebeu então sua genialidade. Correu para a secretaria e pediu que ligassem para o Totó. Ao ser questionada sobre o número, verificou que, desde há muito, esquecera o número. Procura daqui, procura dali, achou uma amiga que ligava sempre e forneceu de imediato. Suspense... a idéia não podia falhar. Sorriu quando atenderam. Mas, descobriu que a felicidade é algo muito transitório e fugaz quando aquela sensual voz feminina disse:
- Claro informa: o número discado está desligado ou fora de área. Deixe seu recado na caixa postal... A Claro agradece, é Claro!
- Claro! Claro! Claro que quem levou o Totó não iria atendê-lo. Meu Deus, como sou Tonha. Tenho mais uma alternativa: a Diretora. Pensamento feito, pensamento executado. E a diretora:
- Tem certeza que estava mesmo em sua bolsa? Não o esqueceu em casa?
- Claro! Sem trocadilho diretora, tenho certeza. Antes de começar minhas aulas xinguei meu marido por telefone, inclusive fiquei nervosa porque no meio da bronca ele começou a imitar toque de ocupado: “pim – pim – pim... seu amorzinho tá fora de área, depois a gente se fala”. Tem hora que ele é tão bobo...
A diretora não teve dúvidas e falou bem alto:
- VAMOS FAZER UM BOLETIM DE OCORRÊNCIA! AVISA PARA A PORTARIA QUE NINGUÉM ENTRA OU SAI SEM AUTORIZAÇÃO. AVISA TAMBÉM QUE SÓ DEVE ABRIR EXCEÇÃO PARA A VIATURA POLICIAL. Portaria sempre é bom dar a ordem bem explicadinha... Vamos ligar para a polícia.
Ordem dada, ordem cumprida. Ninguém entrou nem saiu. Só o policial. Tudo registrado, tudo documentado, tudo esclarecido e explicado. Só o Totó Nokia permanecia desaparecido.
Enquanto isso, nossa triste professorinha continuava sua aula, já sem muita animação, embora firme na sua tarefa. Pensava com seus botões:
- Eu tinha certeza. Minhas premonições não falham e sou capaz de apostar que no dia 7 de setembro, vou ter que desfilar debaixo de chuva. Número 7 é tão esquisito quanto o 11. É um número meio místico e, com a sorte que estou, é capaz de bem no meio do desfile e do Hino da Independência - o que abra as asas sobre mim - seja algum teco-teco perdido por causa da chuva. Droga, todo 7 de setembro chove...
- Ah! Bobagem, superstição!
Só que tremeu, ao lembrar-se de uma advertência do marido:
- Dar bronca em quem se ama, depois do almoço, dá indigestão. É mais perigoso que tomar banho de barriga cheia ou cafuné depois do almoço. Dá um azar danado!
Seria praga? Praga de marido pega mais forte que o de mãe. Rogou à Nossa Senhora do Patrocínio uma ajuda, mas parecia que a situação tivera o patrocínio da Claro mesmo. Antes eles sumiam só com o sinal; agora, parece que resolveram sair da abstração da linha e ir direto ao assunto. Imaginou ter ouvido uma voz do além dizendo que acharia logo o bem que lhe houvera sido subtraído.
- Ah! Bobagem, superstição!
Não demorou meia hora, chega uma aluna com o aparelhinho na mão:
- Achei fessora, achei.
E a menina havia mesmo encontrado, debaixo de uma pedra, num buraco pelo canto da escola.
Dessa forma, todos continuaram felizes para sempre.
A professora não esqueceu de ligar para o marido:
- Amor, levaram meu celular, mas já o encontrei. Só liguei pra dizer que te amo mais do que nunca e prometo te dizer isso todo dia na hora do almoço.
A diretora feliz por ter, a seu ver, resolvido a situação. Apenas achou engraçado ver a professora pulando com as crianças e dizendo para continuar a brincadeira do canguru que pula 300 vezes. “En passant”, falou para a professora:
- Você teve sorte de reencontrar seu celular.
Riu divertida, e emendou brincando:
- Pensei até em fazer alguma simpatia a seu favor... Parece coisa do Saci-Pererê. Você acredita nessas coisas?
Ouviu daquela mocinha toda segura de si:
- Ah! Bobagem, superstição!
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texto: paulo moreira
imagem: olhares.com - portugal

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

ah, damiana!

Chora, Damiana, chora!
Pelo passar da hora
Pelo leite derramado
Pelo trem atrasado
Chora pelo tempo que passou

Chora, Damiana, chora!
Pelos sonhos perdidos
Pelos sentimentos evadidos
Pelo amanhecer sem colorido
Chora pela vida que se foi

Chora, Damiana, chora!
Deixa o peito se esvair
E então, Damiana
Será hora de olhar no espelho
Ajeitar o cabelo
E finalmente sorrir

poesia: lucia vianna & paulo moreira
imagem: olhares.com - portugal

quinta-feira, 23 de julho de 2009

quinta-feira, 2 de julho de 2009

construção

Alvenaria, cheia de massa,
O tijolo é tão fosco,
Benditas as pás
E as colheres
Bendito é o fruto
Desse batente,
João!
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Dona Maria, Mãe de Deus,
Cuidai desses trabalhadores,
Agora e na hora
Daquele andaime, também!
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milton carvalho cavutto 04.01.62 / 23.09.2006
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Nunca havia pensado em primos como presentes de Deus. E Ele foi generoso comigo quando me cercou deles. Milton é um desses presentes que jamais se pode esquecer - pessoa de inteligência, sensibilidade e humor únicos. Um ser iluminado.
Aqui, uma das incríveis "sacadas" do Milton. Orgulho de ser mais que primo - amigo. Parceiro incrível.
Obrigado, Milton! Um sorriso para você!
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imagem: ricardo espinheira - olhares.com - portugal

quinta-feira, 25 de junho de 2009

pai e filho

Que falta você faz, pai. Daria tudo para ouvir uma única palavra sua; para ouvir sua voz me dizer apenas:
- Filho
Você continua anos e anos a fio nesse silêncio, enquanto o sinto cada vez mais forte ao meu lado. Será que está chegando o tempo de te rever ou será, ainda, que haverá um rever? Queria tanto poder afirmar isso com a convicção dos que dizem:
- Eu sei porque foi MEU PAI quem falou!
O inverno e o frio do seu silêncio aumentam ainda mais essa saudade e, quando penso, imagino que em suas terras só existem primaveras. Não consigo mais lembrar de cenas completas e só retalhos de momentos junto de ti, feito uma fotografia que o tempo foi se encarregando de pouco a pouco ir apagando, é o que possuo. No entanto, sua essência invade mais e mais o meu ser e esse saber do para sempre me fere demais.
Sabe, pai, morrer num dia de Natal não é o melhor presente que se dê a um filho. Isso não se faz e você não tinha esse direito. Não tinha o direito de me entregar os natais da eternidade para me castigar para sempre. Temo passá-los todos sem entender. Mas existem tempos em que todos os dias parecem natais e você insiste em me olhar feio por eu sentir assim. Sentir falta não é malcriação, você sabia? Acho que sabe, sim.
Sua presença me espiona em meus quartos, porém é como uma música sem letra e quando te sinto ao meu lado, vem essa canção triste que não me abandona.
Sinto, vivo, me desespero e você não diz uma só palavra.
Ilumina-me incansável, mas não consigo expressar a ninguém aquilo que me irradia. Desconheço seu jeito de se fazer entender e nem me dou conta que estamos em mundos diferentes. Só sei traduzir para mim mesmo essas loucuras que você vive falando sobre ter fé e paciência, embora não me convença.
Então o meu ser chora por inteiro. Por mim, pelo meu egoísmo, pela tua falta. Por saber essa dor que não cede. Ainda assim, peço para ficar sempre junto de mim e que não se atreva nunca mais a me deixar sozinho nesse parquinho de brinquedos velhos. Por favor, dê-me sua mão e não vou mais ligar por me ver como um menino. Quanto mais o tempo passa, mais percebo que você tem sempre razão.
Perdoe-me por estar assim, pai. Não é manha - é o medo da tristeza dessa tua ausência absurda. É a emoção que vem quando estou na tua presença - tão inimaginável quanto concreta.

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crédito de imagem: filipe silva - olhares.com - portugal

domingo, 21 de junho de 2009

on line & off line

O amor traz em si algumas coisas que levam a outros patamares da existência. Confunde, modifica, encaixa, ajusta, gera,embeleza.
Como se fosse um software que liga o espiritual e o físico,é uma das manifestações da grandeza de um Criador, cujo compreender nos foge ao domínio. Pode não ser entendido na sua plenitude ou nas suas regras malucas, mas é a configuração da perfeição.
É um hacker que invade sorrateiro as nossas vidas. Modifica nossos sistemas; muda nossos programas e redireciona a seu bel-prazer os nossos rumos. Zomba da lógica, ignora o tempo e manipula o impossível. Foge de nós e se mostra travesso. Rebelde aos nossos comandos – brinca feliz – mostrando janelas jamais imaginadas; exibindo pop-ups indecentes. Instala-se sem volta e sem opções. Tira-nos a configuração, o verme! (ou vírus?) Depois de rastrear, fisga dois corações desprotegidos e expostos. E coloca-os on-line, insensível a qualquer resistência ou apelo. A cada instante, uma química se faz e refaz. Corpos sedentos de amor e de junção, num download sem fim.
Uma busca insana; eterna sede. Insaciável sede que toma conta. Idéias que urgem ser trocadas, palavras e palavras se multiplicando como células. Milhares delas, misturadas sem parâmetro. Cabeças confusas, descontrole de tudo. Sensações nunca experimentadas. E ficamos perplexos, tentando explicar tudo; buscando na sensatez uma cura que não vem. Nem virá.
Criando pretextos e nos mostrando ingenuamente protegidos, pensamos em nos livrar, como quem procura a cura para a felicidade. Procuramos uma vida por ela e quando localizamos seus arquivos, temos medo de abrí-los.
– Irônico, não?
Só que na vida, não tem como se mostrar off-line. A mente não tem esse menu. É um adware sem volta no coração. Por mais que as bocas venham a negar, por mais que dissimulem, ficarão contaminados para sempre. Os dois, por mais que se enganem e busquem outros amores terão em si, uma insistente mensagem:
– Impossível excluir o arquivo “euevc.exe”.
Arquivos com esta extensão não podem ser removidos! Estão protegidos!
E se um dia o destino resolver colocar-nos off-line para sempre ou que os caminhos da vida nos separem, vamos saber que esses arquivos estão compartilhados; ainda que ocultos. Intactos. Incorrompíveis.
Então vamos entender que:
– Se o tempo é o senhor da razão, o amor desconhece o tempo...
imagem: internet

terça-feira, 19 de maio de 2009

pessoas, passarinhos e anjos

Existem duas maneiras de podermos ouvir o canto de um pássaro todos os dias, o tempo todo:
Uma é ter árvores, flores, plantas diversas ao redor de nossa casa. É vibrar com a lenta aproximação da luz e dos piados tímidos que anunciam a chegada do novo dia, evoluindo para uma algazarra que festeja a vida e a liberdade. Sorrir por, talvez, não possuirmos um lugar assim mas, sermos agraciados com a visão de seu voo livre e, mesmo ao longe, poder ouvir seu trinado. Ter a consciência que Um Ser Maior enviou "chaveirinhos" de anjos para nos alegrar o espírito. Alegria de amar por amar e nada mais.
A outra consiste em invadirmos algum lugar assim e, sordidamente, prepararmos armadilhas para que o ingênuo passarinho caia numa delas. Ou, quem sabe, numa inequívoca demonstração de poder, já o compremos escravo. A alegação é amar o bichinho; proteger-lhe dos predadores ou fazer supor que, uma vez escravo, em liberdade seria uma inútil vítima nas mãos de outros piores que nós mesmos. E ainda mais egoístas. Prova de amor é ter um canto só para si. Em troca, algum alimento. Ora, por favor...
Se lhe furarmos os olhos, é provável que seu canto torne-se ainda melhor aos nossos "apurados" ouvidos. Sim, os melhores cantos são os cantos da tristeza sem fim, da dor que apunhala e do desespero sombrio. A música que mais fundo deveria tocar a alma é suave doçura aos ouvidos dos que nem a própria consciência escutam. Dar fio à lâmina do egoísmo. Aviltar uma criaturinha cujo mal maior foi ter nascido para voar, cantar e ensinar a felicidade de ser livre.
É o não amar.
Na primeira hipótese, teremos o gorjeio alegre daquele que nos visita diariamente com o intuito de ter a certeza do alimento e da paz. Daquele que nos dá seu melhor trinado como brinde a um querer bem infinito. O presente sem preço de sua graça e agilidade. Um bilhete de Deus, transcrito em notas musicais e movimentos de asinhas de minúsculos grandes anjos.
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Existem duas maneiras de podermos ouvir o canto de um coração todos os dias, o tempo todo:
Uma é ter amor, plantar sorrisos, alegrias e esperança dentro de alguém. Sorrir por cultivar a compreensão; por tentar tornar esse coração mais pleno; feliz por poder amar sem ser dono de absolutamente nada e, paradoxalmente, possuir tudo. Uma eterna criança, desprovida de qualquer maldade, brincando com seu trabalho e todos que o cercam. Emocionar-se ao sentir a felicidade das inocências. Poder entregar seu corpo e seu ser com a mesma espontaneidade e a alegria com que recebe; como o melhor presente do mundo.
A outra é, tal qual as armadilhas da mata, criar vínculos que surgem da carência de amor. Usar a sedução advinda da facilidade de criar ilusões em corações menos previdentes e, com ela, construir as gaiolas da dependência; as prisões da necessidade de carinho. Manipular a paixão como ferramenta de domínio e a mínima atenção como migalhas de uma arapuca. Fazer com que a sede de amar e ser amado seja o eterno cativeiro do outro.
Furar os olhos dos sentimentos de alguém para ouvir o canto lamento que sai das suas imaginárias cordas vocais, nas notas de suas atitudes cegas. Feliz pela certeza de que a canção do pássaro na gaiola ecoa agora dentro de um coração humano. Exigir a música triste das notas de um piano perfeito, tocada por mãos mutiladas pelo desencanto de tanto acenar adeus. Deixar as cicatrizes do desencanto tomarem conta do rosto - um dia tão lindo - de quem apenas quis ser feliz. Provocar, pela inconsequência, o passeio daquele que só queria voar e cantar para a vida, pelos arcabouços do próprio pensamento - embotado pelas culpas do que não produziu sozinho. Pretender ser hoje o guia seguro que deveria ter sido no passado e ter a ousadia de chamar isso de amor. Confundir compaixão com a manutenção da cela limpa.
Na primeira alternativa, teremos o mundo de mãos dadas. O prazer pela vida estampado nas pessoas. O verdadeiro querer bem dos olhares sinceros e da segurança que advém de nos sabermos queridos e de lutarmos por isso. Optar pelos caminhos que quisermos percorrer juntos e os horizontes que vierem, serem sempre bem vindos. Amar verdadeiramente e sem máscaras ou limites. Lembrar sempre que grades comuns não conseguem deter os anjos.
Abrir a janela e enxergar um beija-flor seduzindo sem cerimônias a nossa flor, sem saber quem é o imitador: nós ou ele. Mais um bilhetinho.
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texto: paulo moreira
imagem: internet

domingo, 5 de abril de 2009

Continuar

imagem: the flight in rainy weather - nadezda koldysheva

domingo, 15 de março de 2009

vazio

Vazio é ouvir uma música e não entender o que cada nota diz, mesmo sentindo-a te tocar o espírito. Buscar e nada conseguir enxergar; saber que cada vez menos é possível olhar a própria solidão. Uma letargia que vem do sentir o nada em volta.
Querer entender esses sons que nos tocam a alma, mas não conseguimos localizar exatamente aonde. Procurar ver quem toca esse piano de uma forma tão torpe, tão atroz.
Sabemos cada sentimento, porém, nem o pensamento e nem a razão conseguem aflorar. Não existem palavras que possam exprimir. Só o soluço contido.
Se ao menos fosse possível por a culpa num fato ou em alguém. Gritar, protestar! Mas, não há culpados. Se houver algum, pode ser o tempo que passou e deixou tanto vácuo. Fica a inércia da resignação com o que a vida nos deu; de tudo que não deu certo. Do inviável.
Um entristecer crescente que engolimos com saliva amarga e gelo; que procuramos interpretar o significado, mas ele insiste em se ocultar em nosso coração.
Vazio é o que poderia ter sido, mas não foi. É sentir frio na alma.
Foram os sorrisos não possíveis, a felicidade que não vivemos. Não poder ser nem mais nem menos - feliz ou infeliz. Uma vontade saborear um gosto que, temos consciência, é de um fruto que não existe. É não querer estar aqui, mesmo sem ter noção de onde queríamos estar. Uma saudade imensa do que não há jeito de traduzir.
É deixar as lágrimas caírem no compasso de uma melodia triste. O concerto de um instrumento em dó maior. Dó de nós. Todo som que agora resta.
Vazio é uma esperança louca de tudo mudar, do mundo sorrir, de alguém te beijar, dos olhos brilharem e, paradoxalmente, saber que nada vai acontecer. Querer ir para nunca mais voltar. É chorar para dentro o próprio desespero e aguardar, aguardar...
E, lentamente morrer. Até essa tristeza infinita passar.

texto: paulo moreira
imagem: olhares.com - portugal

segunda-feira, 9 de março de 2009

respirar você

Seu suave respirar dançando leve nas águas do sonho
A leveza do ar que sai de suas narinas - volátil momento
Desassossego; descobrir num quase soluço - os desejos
Senhores dos ares, das chuvas, de todos os elementos
Engasgados na luz-aura-muda do olhar de afago de quem ama
Inalam o amor e aspiram poema e paixão; você me inspira
Aquáticos fluxos e palavras sem nexo; falta ar - falta fôlego
Incêndio de nós toma conta; tudo infla, amor inunda - êxtase
Maravilhoso desespero de olhos fechados e lábios mordidos
Enfim, desabar sobre mim, num suspiro cansado – quase sofrido
Libertando do peito, o ar contido; doce apnéia dos sentidos e da razão
Corpo calmo, agora sedado – generoso - abençoando minhas mãos

E, afogado nessas águas de sonho, vejo seu semblante adormecer
Num suspiro, agradeço baixinho: - Como é bom respirar você!

(paulo moreira)
imagem: olhares.com - portugal

sábado, 7 de março de 2009

dia da mulher - o recado vai para os homens

Quando os homens, um dia, perceberem que o mundo precisa de paz, lembrarão da mulher. Quando os homens perceberem que inteligência, emoção e todo amor do mundo - são os únicos caminhos - certamente vão lembrar da mulher.
Quando esse dia chegar, o mundo será paz. E, esse mundo melhor será motivo de festa. Não de um dia, de uma semana ou de décadas.
Os homens só serão melhores quando derem-se conta do que seja uma mulher; e as mulheres mostrarão muito além do que imaginávamos. Um homem só cresce, a partir do momento em que começa a entender um pouquinho do universo dessas meninas, aparentemente, tão travessas.
Basta que o mundo tenha consciência de que não existem dois times. Só quem aprende evolui - professoras são elas.
O dia das mulheres não é dia. O dia das mulheres é eternidade. Uma mulher é infinita... todas são além do imaginável. Que nós, homens, entendamos isso e façamos o melhor.
E os dias serão aqueles em que todos dançaremos a música da beleza, da felicidade e do amor, em seus sentidos mais completos.
Por isso tudo, amigos, preparem seus corações e não percam a chance:
- Vamos convidá-las para essa dança?
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texto: paulo moreira
crédito de imagem - cia de dança lídio freitas - olhares.com - portugal

segunda-feira, 2 de março de 2009

blogs

Primeiro vieram as salas de chat. E muitas pessoas preferiram trocar sua novela das oito por uma sala de bate papo. Desta forma, começaram a descobrir um meio de dizerem de si, de conhecerem pessoas de lugares tão diferentes, com histórias tão incríveis. Acho que não é exagero dizer que criou-se um mundo virtual com características de verdadeiras cidades ou mesmo países. Um mundo com regras próprias de ética, costumes, sonhos e relacionamentos.
E surgem então os blogs, como mais uma opção. Com o que a internet pode oferecer de mais moderno: música, imagens, interatividade através de tecnologia avançada.
Acho que os blogs fazem um sucesso enorme e aumentam em progressão geométrica por alguns motivos bem interessantes.
A idéia do blog me remete imediatamente à idéia dos antigos “diários”, que os adolescentes sempre curtiram demais. É nos blogs que as pessoas escrevem sobre seus sentimentos do dia a dia. Daquilo que lhes acontece de bom ou ruim; de suas alegrias e tristezas, das expectativas, de tudo que lhes afeta. Uns se expressam por poesias, textos, anotações de si mesmos ou de outros autores, não importa. É como se escrevessem algo em seu diário e o guardassem num armário (na maioria das vezes até esperando ansioso que alguém leia e lhe perceba melhor como ser humano).
E o “milagre” acontece. A pessoa amada vai lá e se comove com a música apaixonada e uma frase ou poema de amor. Os amigos deixam recados, elogiando sua sensibilidade e o motivando a continuar. Uma imagem bonita emociona todos que entram em seu blog. Os adolescentes descobrem um mundo maravilhoso e os adultos a possibilidade de serem adolescentes sem nenhuma culpa.
Agora, melhor que uma história contada numa novela, a pessoa descobre milhares de novelas reais das quais pode participar e, até, influenciar. Além do que, também pode contar e ver todos participarem de sua própria história.
Como conseqüência, vão surgindo vocações e tendências que muitos sequer podiam imaginar que um dia tivessem. Aparecem poetas e poetisas, surpreendentes artistas plásticos, escritores, pessoal bom de marketing e de conversa. Gente boa de todos os cantos.
Parimos nossas idéias e cuidamos de nossos blogs, como quem cuida de seus filhos. Alimentamos todos os dias com o que temos de novo, buscamos os comentários que nos fazem vibrar; aperfeiçoamos e nos educamos, vivendo dia a dia as emoções que compartilhamos. Visitamos outros blogs e percebemos a delicadeza de cada um; o carinho e dedicação com que são construídos.
Transmitimos a magia das mãos que aprendem a dar e receber.
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texto: paulo moreira

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

De Homo Sapiens a Daktylus Erectus

Ser contra a modernidade não é apenas falta de bom senso. É não saber viver neste mundo. Mas, certas coisas do passado têm um valor imenso e de algumas dessas coisas, sentimos falta. Não se trata de saudosismo, idade avançada, nada disso. Trata-se de ver um mundo em transição e, por vezes, perder a referência de valores.
Adão e Eva são bons exemplos disso. Pode hoje, haver variações de estilo, de funções, de genética, mas convenhamos:
- A configuração original é muito boa.
Nada em detrimento de novas versões; sejam todos bem vindos. É como o Windows. Tem uma porção deles, mas tem gente que não troca um XP por um Vista nem sob tortura.
Se Caim tivesse um controle remoto em mãos ou o teclado de um PC, talvez não brincasse de matar irmãozinho. A tecnologia avançou para a melhoria da nossa qualidade de vida.
Pensava nisso durante uma aula de matemática. Enquanto o professor explicava rapidamente sobre conjuntos, equações, etc. Gastava o triplo do tempo ensinando como usar as calculadoras. Percebi uma coisa muito séria:
Algumas cabeças entendem um pouco de matemática, mas o dedo indicador é um fracasso quando se trata de calculadoras. Até entendem o cálculo, mas têm dificuldades entender a linguagem desse ser dotado de teclas. Outras, não entendem nem o cálculo, tampouco a calculadora. Existem dedos completamente desajustados.
Originalmente, usava-se o dedo para várias funções. Escrever poemas na areia, arrancar chantilly de bolos, limpar o nariz e dedurar a irmã. E entre outros afazeres próprios de um dedo indicador, usávamos para chamar a professora de matemática, pedindo explicações sobre a falta de raciocínio sobre um cálculo qualquer. Tadinha. Ela explicava.
Nesse tempo, que não vai tão longe assim, era proibido o uso de calculadoras em salas de aula, em provas, em concursos públicos e em namoros. Ensinava-se matemática sem anestesia mesmo e isso nos obrigava aprender a usar o cérebro. Não sei se aprendemos, mas por romantismo talvez, alguns ainda preferem tentar resolver equações à unha, com o perdão do trocadilho. Para os dedos, aprendíamos datilografia. Talvez no futuro, aprendamos “dactilosofia” (a ciência dos dedos).
Hoje, existem momentos em que ficamos sem saber quem nasceu primeiro: o ovo ou a teclinha.
Se nossa cabeça der pane, até esperamos alguns meses para procurar um psiquiatra ou uma psicóloga. Mas, se nosso PC ou a calculadora apresentarem defeito, o conserto tem que ser no mesmo dia. Será que nossa inteligência passou procuração para as máquinas? Nossa mente era analógica e está sendo digitalizada?
Tudo que não se usa, atrofia. Músculos, vísceras, o cérebro.
Sob o pretexto de deixar o cérebro para coisas mais importantes, acabamos deixando o ato de pensar (que, a propósito, não pesa) para nosso, antes humilde, dáctilo. E ele vem respondendo à altura, incorporando linguagens de HPs e IBMs da vida. Não importa saber o que ou o quanto é um número. Dedinhos amestrados passaram a ser sinônimo de inteligência. Ai de nós! Deixamos a cabeça no automático e ela vai como pode; enquanto pode. Pensa de teimosa. Assim como todo o resto, inclusive o coração.
Por sua vez os nossos dedos, de tanto uso, fortaleceram-se. Tornaram-se rígidos, eretos e imponentes. Orgulhosos e arrogantes, andam racionais demais. Tão ocupados que foram perdendo suas capacidades mais primárias. Por exemplo:
-Fazer contas com auxílio do link natural, xingar no trânsito, roubar chantilly ou simplesmente fazer um carinho.
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texto: paulo moreira

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

"perfume de coração" recebe o selo "olha que blog maneiro"

"Perfume de Coração" recebe, e agradece a distinção, o selo que vem da Itália, através do blog "Utopie Calabresi" - http://utopiecalabresi.blogspot.com/

Os 10 blogs abaixo foram indicados por "Perfume de Coração" para receberem este selo:

Fragmentos da Alma – http://reverereviver.blogspot.com/
InFocO – http://vivi-infoco.blogspot.com/
Minha obra-prima: Minha vida – http://kamilasarto.blogspot.com/
Na Dança das Palavras – http://leonorcordeiro.blogspot.com/
Pérolas que Colhi, Flores e Poesias – http://pati-prolasqescolhi.blogspot.com/
Poesia com Emoções – http://poesiacomemocoes.blogspot.com/
Porto das Crônicas – http://taisluso.blogspot.com/
Solucionática – http://solucionatica1.blogspot.com/
Sou Essência sem Fronteiras – http://souessenciasemfronteiras.blogspot.com/
Um Vento na Ilha – http://schsonia.blogspot.com/

As regras a seguir para os blogs que recebem este Prêmio são:

1- Exiba a imagem do selo "Olha que Blog Maneiro"
2- Poste o link do blog que te indicou.
3- Indique 10 blogs de sua preferência.
4- Avise seus indicados.
5- Publique as regras.
6- Confira se os blogs indicados repassaram o selo e as regras.
7- Envie uma fotografia sua ou de um amigo para olhaquemaneiro@gmail.com juntamente com os 10 links dos blogs indicados para verificação. Caso os blogs tenham repassado o selo e as regras corretamente, dentro de alguns dias você receberá 1 caricatura em P&B.
8- Só é válido caso as regras tenham sido todas cumpridas.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

baliza

Baliza morria de amor. Pelo Geraldo.
Pouco importava se ele era beberrão, jogador inveterado, homem de mil vícios e mil mulheres. O importante é que Geraldo gostava dela e, vez por outra, lhe fazia um carinho.
Dono da Fazenda da Serra, Geraldo negociava gado e vivia do trabalho sem horário, sem patrão e sem limites. Na cidade, era Juiz de Paz. Fazia casamentos, resolvia discórdias de todo tipo e, eventualmente, ia atrás de algum sujeito bom de conversa, para criar concórdias - com sua lábia ou revólver - sobre a livre e espontânea vontade de casar com a moça semi-virgem de família honrada.
Todo dia, Baliza o acompanhava a quase todos os lugares e junto dele sentia-se feliz por andarem descompromissados de tudo naquela pequena cidade, pouco ligando quando o cavalo, já escolado, parava em cada bar que pudesse existir. Escala para mais uma caninha, um cumprimento, uma dama de vinte minutos ou um tiro em mais um.
Paciente, ficava andando pela praça da igreja matriz, passeando faceira e olhando tristinha as pessoas da praça, com a resignação dos que passam os dias esperando por migalhas de amor; por um sorriso ou pela alegria de ver seu nome pronunciado rapidamente por ele. Humilde e tolerante, aguardava ansiosa a saída do Geraldo de cada lugar. Satisfeita com o simples fato de ficar próxima de quem tanto amava.
Baliza era assim. Baliza amava assim.
Nas noites de insônia na varanda, ficava olhando o semblante daquele homem, como que hipnotizada pela fascinação, procurando talvez, descobrir-lhe as inquietudes.
Quando Geraldo vestia o paletó de tecido grosso e punha seu chapéu Panamá, alegrava-se por saber ser o momento de saírem, exceto quando ele dizia ir jogar. Não ia junto nessas ocasiões, que não eram poucas. Ele chegava a ficar três dias e três noites seguidas jogando baralho e apostando dinheiro. Bom jogador, não costumava perder.
Nessas vezes, precisava ficar na casa da fazenda porque, no caso de aparecer algum comprador ou vendedor, era ela quem iria na fazenda do Chico Nego ou outra qualquer onde ficava a jogatina, para avisar e trazer de volta o seu querido. Bastava a Benedita dizer:
- Baliza, vá buscar o Geraldo que tem gente querendo falar com ele!
Pura alegria. Lá ia pela estrada, morrendo de felicidade por poder ajudar mais uma vez, o homem de sua dedicação de vida. A sua razão de viver.
Invariavelmente o encontrava já cheirando à destilado forte e perfume de alguma mulher de ocasião, porém, nunca bêbado. Geraldo parecia impermeável com bebidas. O máximo que acontecia era ficar mal humorado com a interrupção do jogo por Baliza e resmungar-lhe uns palavrões. Mas, só se estivesse perdendo muito no jogo. Se não, vinham alegres e brincando pelo caminho, pensando no bom negócio que esperava em casa.
Um dia, numa cerca de arame farpado, Geraldo machucou-se e contraiu tétano. Foram 40 dias naquela cama. Ironicamente, aquele homem forte de 33 anos, com caráter e temperamento únicos, ia sendo derrubado pelo que menos se podia esperar: a doença.
Durante todos esses dias, Baliza ficou ao seu lado. Abatida e muda, passava dias e noites com os olhos caídos como quem faz a oração do desespero. Pouco comia e mal conseguia tomar um pouco de água. Deitada ao lado de quem tanto amava, sofria calada, sem protesto ou queixa.
No meio da sala, uma pessoa levantava o véu preto sobre o caixão. Era a única coisa que fazia com que levantasse os olhos, sentada alerta sobre aquele banco; protegendo, a seu modo, aquele que não mais de proteção precisava. Seguiu todo o cortejo ao lado do caixão.
Quando tudo terminou, todos voltaram às suas casas. Menos Baliza.
Deitada sobre o túmulo, ali ficou por horas, dias. E, por mais que tentassem, não conseguiam retirá-la de lá, convencê-la a comer algo ou sequer tomar água. Nesse tempo, cada momento vivido deve ter passado por sua cabeça e, acredito, nem ela se sabia capaz ou o porquê de tanto amar.
Um certo dia o sol se pôs e alguém a encontrou já no fim de sua agonia. A fiel cadelinha morria sobre o túmulo de seu dono.
Baliza morria de amor. Pelo Geraldo.

texto: paulo moreira

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

tomates-cereja

Na mesma semana em que a conheci, ganhei alguns tomates. Uma versão pequenina dos comuns. Lindos tomatinhos.
Encantado com sua beleza – a mulher – num instante plantei-a em mim. Precisava tê-los sempre comigo - ambos. Ah! Aquela nova cor de vida, a pele, a delicadeza, aquele novo gosto adocicado.
E espalhei suas sementes em meus territórios. As de tomates, no jardim em frente ao quarto; as dela, num jardim sem cuidados dentro em mim. Terras difíceis, jardins de sonho sem adubo.
Tomates-cereja e amor são plantas resistentes - que insistem em brotar sempre. Num dia de primavera olhei da janela e descobri algumas pequenas folhinhas explodindo da terra. Lembrei-me dela – estávamos sempre unidos - e vi que também soltava folhinhas tenras, nas minhas terras quase áridas. Como é lindo poder desfrutar do milagre das sementes. É possuir quase toda a beleza do mundo.
Começavam dois ciclos de semeaduras que nunca imaginei serem tão parecidos. Sorri para a vida. Meus jardins prometiam fartura. No final da primavera, abandonei meus pés de tomate-cereja, o quarto, o jardim, tudo. E fui ao encontro da planta que mais cresceu: o amor daquela mulher que possuía a magia das sementes.
Não sabíamos quem era quem; quem plantava ou cuidava. Éramos sementes e semeadores simultaneamente. Se, por um lado, o agricultor é responsável pela planta, por outro, a planta passa a ser a luz dos seus atos. Se o primeiro rega folhas e raízes ou deixa que as chuvas dêem provimento, a outra lhe lapida a essência e traz o evoluir dos ramos de sua humanidade. A natureza faz, com humildade e perfeição, o que alguns de nós não conseguimos, às vezes, por imposição do egoísmo.
E dessa mulher conheci o néctar, me encontrei em seu corpo, desfrutei seu sabor. O mesmo ela o fez comigo. Retirou minha pele grossa para apaziguar meu sumo. Plantou-me dentro de si e nos fizemos uma só árvore.
Árvores, quando tiradas de sua cova de origem, reagem ao novo lugar. Assim, momentaneamente, voltei para meu antigo solo seguro e encontrei meus pequenos pés de tomate-cereja em flor. Retirei os matos em volta, os empecilhos e lhes dei arrimo. Vieram os frutos. E da minha plantinha provei o néctar, desfrutei sua polpa e saboreei seu suco. Meus pequenos frutos tiraram-me a acidez da alma na sua lição dos ciclos. Cultivaram em mim, tanto quanto ela, o amor. Juntos, os três, apesar da distância. A grande árvore e a pequena planta totalmente diferentes em sua aparência, mostravam-se iguais em suas estações não compromissadas, entre si, com o tempo.
Ambos seguiam ensinando-me caminhos. Havia me descoberto como uma planta buscando o sol. No final do outono seguinte, o tomateiro secou. Em certo tempo, ela também desaparecera. Depois, resssurgíamos fortes e renovados, como sempre, para novas estações de novas experiências e novos frutos. E assim foi continuadamente.
Voltado para meus problemas e indiferente ao que me cercava, deixei que os matos crescessem e, por falta de meus cuidados, os tomateiros que tanto quis estavam pelo chão sem sustentação e quase sem vida. Condenados por mim. Um senhor que cuida de jardins, apiedou-se das plantinhas que teimavam, ainda assim, em florir e deu-lhes estacas para apoio, arrancando as ervas daninhas em volta. Veio a chuva e os tomates-cereja voltaram a brotar ainda mais lindos.

Mas eu sabia que era diferente. Seus frutos não mais me pertenciam, a não ser por circunstância. Nunca estiveram tão lindos ou responderam tão bem ao cuidado recebido. Em nenhum momento haviam deixado de ser meus pés de tomates-cereja. Durante o tempo todo, eu é que deixei de ser seu cultivador.
No entanto, suas fortaleza e determinação não se deixaram abater pela minha ausência de atitude. Alguns podem estar marcados, mas estão vivos e confiantes em sua missão de tomates e apenas por generosidade para comigo permanecem num território sob meu domínio. Talvez, um gesto de gratidão pelas sementes na terra colocadas um dia, embora abandonadas ao sabor das intempéries.
Quanto aos frutos, não quero e não posso mais provar-lhes e assim será. Não lhes fiz juz.
Quanto a mim, não sei nem plantar, nem amar.
Os pássaros espalharam suas sementes que agora brotam em novos pontos. Tentarei ajudá-los a obter seu alimento, cuidando com um pouco mais de amor e zelo - das minhas plantinhas. Isso os fará mais felizes: os tomatinhos e os pássaros. A mim também.
É possível reparar o sofrimento causado aos tomates-cereja.

texto - paulo moreira

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

mais grave que a cegueira

A cena foi muito rápida. Voltava para casa num desses finais de tarde com muita pressa, dessas sem explicação, típica de paulistano. Na avenida, com seis faixas de rolamento de veículos em cada sentido, todos vinham numa velocidade bem alta.
De repente, o motorista do carro da faixa ao lado, pouco mais à minha frente, começa desesperadamente a fazer gestos com a mão para fora, pedindo redução de velocidade. Imediatamente meu pé foi para o freio e imitei-lhe o gesto, pedindo o mesmo aos outros. Assim, sucessivamente, todos fizeram o mesmo e os carros foram parando, um a um.
Com o braço esquerdo estendido para baixo e a palma da mão em direção ao chão, o cego fazia um sereno gesto de “por favor, espere um pouquinho” e atravessava, com toda a paz do mundo, aquela enormidade de avenida - munido de uma bengala e confiança nas pessoas. Certamente, com fé em Deus também. Simultaneamente, balançava a cabeça e era possível ler em seus lábios a pronúncia do “muito obrigado”.
Por uns dois minutos, ficamos parados e abobados vendo aquela cena, até que ele terminasse sua tranquila travessia. Olhávamos uns para os outros com cara de quem não sabe que cara fazer e retomávamos, movimentando os carros vagarosamente, rumo aos nossos destinos.
Aquele homem havia conseguido o que nem mesmo um guarda uniformizado e com um simples apito conseguiria. Com um apito e uma metralhadora, talvez. Quem conhece uma cidade como São Paulo, sabe exatamente a proporção do que estou dizendo.
Pernas trêmulas, mal consegui engatar a marcha e entrar na primeira travessa para estacionar. Debrucei sobre o volante e comecei a chorar. Chorei muito e, ao ser questionado por uma moça sobre a razão daquele choro incontrolado, apenas murmurava:
- Deus, o que é justo? O que é justo?
O que mais mexia com meus sentimentos era a dependência do cego da boa vontade das pessoas e da confiança dele no ser humano, afinal, qualquer um poderia não ter se dado conta do que acontecia e tê-lo atropelado. Uma desatenção mudaria seu destino e o destino de outras pessoas. Cada pensamento sobre aquela fragilidade e exposição ao perigo me emociona até hoje. A cegueira foi sempre algo que mexeu profundamente comigo. Ambas.
A propósito de alguma eventual interpretação diversa, uso a expressão “cego”, em vez de “deficiente visual”, por achá-la mais adequada. Na razão direta em que não gostaria de ser tratado como um “deficiente de visão mental”; prefiro ser chamado de burro. Doar órgãos e amar o ser humano parece-me politicamente mais correto e eficiente, que mudar nomenclaturas. Palavras podem servir de lentes para o espírito. Atitudes curam lá e cá.
Voltando ao fato.
Onde já se viu fazer uma coisa daquelas? Uma pessoa com visão não ousaria jamais aquilo. Por que razão ele teria feito aquilo? Pressa, emergência, idiotice? Mas, de tudo, o que menos entendia era a sua calma e serenidade.
Num certo momento, passamos a ter uma nova visão das coisas. Não que a atitude daquele homem fosse absolutamente correta, mas provoca algumas reflexões. Tantas vezes na vida deparamos com o sofrimento alheio e sequer reduzimos a marcha. Quantos amores, quanto querer bem perdidos em nossa estrada. E lamentamos, lamentamos.
Somos desconfiados do sentimento, do agir, do pensar, do falar, do viver – entre outras coisas – de quem nos cerca. Poderíamos ter atravessado nossos caminhos de uma maneira mais tranqüila, mais serena. Ter aquela postura humilde e ao mesmo tempo solene que todo cego possui. Essa postura é quase única, talvez pelo fato de precisarem enxergar além do que nós, pobres enxergantes, possamos.
Imagino a alegria daquele cego ao se saber do outro lado, são e salvo.
Maior que o medo de ter seguido em frente, teve a mágica sensação de que ter confiado no ser humano e ter-se exposto, valeu muito. Valeu tudo. Sempre vale.
As vezes em que morremos nas calçadas do existir, acabam sendo bem pior que ter seguido em frente. Podemos ter decepções, mas nada que supere a alegria de sentir daqueles que nos cercam, suas surpreendentes atitudes. Maravilhosa descoberta.
É preciso amar e acreditar em quem está junto de nós. É preciso saber que o mundo é cheio de vielas e ruas escuras, mas escolher avenidas e atravessá-las sem medo é obrigatório. Coração não possue olhos de enxergar. Entretanto, tudo vê. Costumo brincar, dizendo que fazer amor nada mais é que dois corpos conversando em Braille.
Percebi que, naqueles dias, chorei por um homem cego. Depois, dei por mim e, vi que continuo chorando por um homem cego. Com vergonha das economias de sentimentos, me propus escolher e atravessar meus caminhos com maior confiança na escolha.
Pela ousadia, pode ser que vez por outra, a gente venha a se encontrar em algum hospital, com alguns arranhões e hematomas. Orgulhosos porque, grave ou não, fomos atropelados na maior avenida do mundo:
Uma avenida chamada Amor.

texto: paulo moreira


***
Complementando o texto:


Como tratar deficientes visuais corretamente

Ofereça sua ajuda sempre que um(a) cego(a) parecer necessitar. Mas não ajude sem que ele(a)concorde;

Sempre pergunte antes de agir. Se você não souber em que e como ajudar, peça explicações de como fazê-lo;
Para guiar uma pessoa cega, ela deve segurar-lhe pelo braço, de preferência no cotovelo ou no ombro. Não a pegue pelo braço: além de perigoso, isso pode assustá-la. À medida que encontrar degraus, meios fios e outros obstáculos, vá orientando-a. Em lugares muito estreitos para duas pessoas caminharem lado a lado, ponha seu braço para trás de modo que a pessoa cega possa lhe seguir;
Ao sair de uma sala, informe o(a) cego(a); é desagradável para qualquer pessoa falar para o vazio. Não evite palavras como "cego", "olhar" ou "ver", os(as) cegos(as) também as usam;
Ao explicar direções para uma pessoa cega, seja o mais claro e específico possível. Não se esqueça de indicar os obstáculos que existem no caminho que ela vai seguir. Como algumas pessoas cegas não têm memória visual, não se esqueça de indicar as distâncias em metros (por exemplo: "uns vinte metros para a frente"). Mas se você não sabe corretamente como direcionar uma pessoa cega, diga algo como "eu gostaria de lhe ajudar, mas como é que devo descrever as coisas?", ele(a) lhe dirá;
Ao guiar um(a) cego(a) para uma cadeira, guie a sua mão para o encosto da cadeira, e informe se a cadeira tem braços ou não;
Num restaurante, é de boa educação que você leia o cardápio e os preços;
Uma pessoa cega é como você, só que não enxerga; trate-a com o mesmo respeito que você trata uma pessoa que enxerga;
Quando você tiver em contato social ou trabalhando com pessoas portadoras de deficiência visual, não pense que a cegueira possa vir a ser problema e, por isso, nunca as exclua de participar plenamente, nem procure minimizar tal participação. Deixe que decidam como participar. Proporcione à pessoa cega a chance de ter sucesso ou de falhar, tal como qualquer outra pessoa;
Quando são pessoas com visão subnormal (alguém com sérias dificuldades visuais), proceda com o mesmo respeito, perguntando-lhe se precisa de ajuda, quando notar que ela está em dificuldade.


Fonte das informações complementares: Associação de Cegos Louis Braille, site: http://www.deficientesvisuais.org.br/Aclb.htm